ARTIGOS

Ler mulheres

por Márcia Letícia Gomes

Sendo professora de literatura, sempre sou inquirida sobre meus livros preferidos, leituras que marcaram minha vida, indicações de livros para presentear pessoas das mais diferentes faixas etárias e inclinações pessoais. Sempre que faço uma dessas listas, um livro sempre aparece: “Crônica de uma namorada” da Zélia Gattai.

Neste momento singular de recolhimento em que estamos colocando muitos temas em perspectiva, estive pensando: O que há no livro da Zélia? O que, nesta leitura, me marcou de tal forma que o título sempre me vem nas mais diferentes situações?

A resposta chegou sem aviso como uma epifania, como um raio: Zélia Gattai foi a primeira escritora que eu – mulher – li. A leitura literária no ambiente escolar é uma leitura pautada em história da literatura, em estilos de época e se faz estruturada a partir de um cânone. Quem compõe o cânone? Quem determina quais obras são ou não canônicas? O cânone, em nossa história, foi definido e constituído por homens e por obras literárias escritas por homens. Então eu, estudante, leitora das obras recomendadas no âmbito escolar, só conhecia personagens mulheres escritas por homens.

Zélia me apresentou mulheres escritas por mulheres, histórias de mulheres, sentimentos que também eram meus. Zélia me chegou na prateleira, o livro ali, entre tantos outros na biblioteca da escola. Depois de formada em Letras, fui professora na mesma escola em que estudei e vi minhas alunas lendo “Crônica de uma namorada” – o mesmo exemplar que eu lera mais jovem naquela mesma biblioteca.

Quero acreditar que o espaço escolar pode ser ambiente para leituras de escritores e escritoras, de debates, de realidade e também de evasão, de nos reconhecermos nas narrativas contadas por outros e por outras. Que as nossas meninas tenham, ainda na escola, oportunidade de ler mulheres é o meu pedido em um tempo de rupturas e recomeços.

MÁRCIA LETÍCIA GOMES é doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG; mestra em Direito pela mesma Universidade; docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO; autora da obra “Migração, Refúgio e Direitos Humanos: um olhar para os movimentos migratórios contemporâneos” (2017).

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