por Alexandre Henrique Germano

No campo político, não se pode olvidar que determinada decisão governamental transformará a realidade, bem como, poderá servir de inspiração para eventuais manifestações artísticas. Dito isso, um evidente marco de transformação atual, seguramente, é a situação vivenciada pelo alastramento do coronavírus no Brasil, que, com certa reflexão, coincide bastante com a distopia cinematográfica “The Purge”, ou, “Uma Noite de Crime”.
Diante da referida obra de cinema, o enredo se passa nos Estados Unidos, com a sanção de uma lei, que, uma vez por ano, durante um período de 12 horas, é permitido cometer qualquer crime. No filme, a referida lei é apresentada como um evento para que os cidadãos liberem os instintos violentos, e, com isso, a criminalidade diminua. No entanto, obviamente, é indiscutível que a real intenção está na eliminação das classes mais baixas e necessitadas.
Ainda na perspectiva política, de fato, não há como negar que atitudes de pessoas influentes repercutem, e, muitas vezes, são copiadas por pessoas manipuláveis. Por conseguinte, um presidente que aparenta não se importar com o alastro de um vírus tão terrível, de maneira óbvia, terá como consequência, eleitores fanáticos que seguirão o exemplo. Tudo isso, conforme o referido filme, pode ser um verdadeiro expurgo.
De mais a mais, o expurgo, que é tratado em “The Purge” como: ‘matar para tornar o país um lugar melhor’, pode, tranquilamente, ser comparado com a atitude negligente de um sujeito, que, por seguir exemplos, não respeita a quarentena, mesmo tendo a opção de fazer. Logicamente, presume-se que não há intenção em transmitir o vírus, mas contrariar todas as medidas de segurança é o mesmo que assumir o risco.
Sobre a noite de expurgo, não são todas as pessoas que querem sair de suas casas para matar, mas isso não impede que sejam vítimas de quem optou por expurgar. Quanto ao coronavírus, é exatamente igual. Quem se protege acaba correndo o risco de ser contaminado, pois, não há de se negar o fato das condições precárias de moradia, saúde coletiva e constante omissão estatal.
Em “The Purge”, o grande vilão é o próprio governo americano. Isso fica claro no segundo filme, quando os protagonistas encontram um caminhão de “expurgadores” que está equipado com tecnologias acessíveis somente pelo Estado. Logo, surge a primeira evidência, isto é, além da noite de crime como estado de exceção, os próprios militares americanos, por decisão política, invadem as zonas de maior pobreza e eliminam as pessoas carentes de políticas sociais.
No filme, os “pais fundadores” representaram uma alternativa aos dois grandes partidos americanos, que são os democratas e os republicanos. Outrossim, a solução proposta pelo novo partido, em tese, foi uma tática de pão e circo, isto é, vende-se a ideia de uma noite anual para descontar a raiva, e, com isso, surge a justificativa para ‘promover a redução da pobreza, criminalidade e garantir uma melhora na econimia’.
Logicamente, fora do campo distópico do cinema, o vírus COVID-19, no Brasil, por mais trágico que possa ser, tende a servir como premissa para justificar barbáries e transformar a realidade através do estado de exceção. Isso impende salientar o alto grau de autoritarismo e falta de senso de direção que assola o Poder Executivo do Brasil, isto é, nada justifica a promoção de uma crise institucional justamente na pandemia. Isso apenas demonstra que os mastros do governo brasileiro estão voltados para a manutenção do poder, e não aos tantos expurgos causados pelo referido vírus frente a omissão do Estado.
Muitos absurdos acontecem como justificativa para exceções daquilo que se entende por padrões normais. Na maioria das vezes, uma crise é “ótima” para sustentar governanças populistas, pois o problema acaba por se tornar o próprio fim dos tantos meios utilizados. À vista disso, tanto em “The Purge”, como no Brasil, e, muito provavelmente em vários lugares do mundo, as maiores vítimas das mortes são os pobres, que são testemunhas e mártires da precariedade estrutural e do desinteresse político.
Tanto no referido filme, como na realidade, tudo acaba por servir como uma conveniência para se livrar dos mais fracos e revitalizar o sistema. Este, constantemente transformado mediante explorações da realidade vigente. A única solução para tamanha distopia é promover a sabedoria. Pessoas que pensam não podem aceitar situações como a descrita neste texto, muito menos, acreditar em pais fundadores, pois a maior característica da democracia é não suportar o autoritarismo.
Por fim, ao contrário do vírus, não há de se hesitar em transmitir o conhecimento, libertar o senso crítico e promover o inconformismo. Afinal, em razão disso, será possível combater governos opressores, e, também, qualquer crise que possa servir de ferramenta para eventual manutenção do poder.
ALEXANDRE HENRIQUE GERMANO é acadêmico do curso de Direito da Universidade do Contestado/SC
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Ótimo texto.
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