ARTIGOS

Incêndio de um governo teatral

por José Ernani Almeida

O que assistimos em Brasília levaria William Shakespeare a produzir mais uma tragédia, pois não lhe faltaria nem o som, nem a fúria e nem a insensatez humana.

É uma história que nos acabrunha profundamente e condena o Brasil ao ridículo e à insignificância. Os personagens são Jair Bolsonaro e Sérgio Moro.

Tudo os apontava como grandes amigos conluiados na tramoia fatal que resultou em um governo demente e um ministro da Justiça que chegou ao cargo exorbitando de suas funções de juiz, comandando as ações dos procuradores da Lava-Jato.

The Intercept Brazil revelou que as ordens do juiz eram cumpridas a risca pelo MP e que ele se comportava como parte da equipe de investigação, uma espécie de técnico do time – e não como um magistrado imparcial.

Moro foi decisivo ao impedir a candidatura de Lula nas eleições de 2018, graças a uma tramoia pretensamente jurídica sem paralelos para condená-lo e prendê-lo sem provas. Moro e Dallagnol, lacaios de Washington, cumpriram a tarefa a contento e Jair Bolsonaro elegeu-se com folga.

Assim se deu, o entrecho é claro. O resultado de um golpe inédito perpetrado pelos próprios poderes da República. O Judiciário, que permitiu o impeachment e as falcatruas do torquemadazinha de Curitiba.

Como presente, Sérgio Moro foi contemplado com o ministério da Justiça e, no futuro, ao que tudo indicava, uma vaga no STF. Mas os dias de vinho e rosas acabaram. Que sentimentos teriam inspirado as repentinas desavenças?

 A inveja recíproca, certamente. Ou a prepotência de quem se percebe mais forte? Ou o fingimento de nobres intenções em proveito do ardil, da hipocrisia e do sorriso fingido e maligno?

Na verdade, Bolsonaro está em plena campanha pela reeleição como se a sua primeira eleição fosse perfeitamente aceitável do ponto de vista político, legal e moral. A conspiração contra Lula invalida tudo quando se seguiu.

Bolsonaro enxerga naquele que premiou como ministro o principal obstáculo e cuidou de se antecipar ao futuro. Eis uma das razões das desavenças.

Moro, ao sair, revelou fatos preocupantes. Acusou Bolsonaro de interferir no combate à corrupção ao exonerar sem sua anuência o diretor da Polícia Federal e pedir acesso a relatórios de investigações. Uma interferência política clara de quem se elegeu tendo como bandeira o combate à corrupção.

Mais. Bolsonaro está preocupado com as investigações que poderão chegar aos seus filhos Carlos e Flávio, no caso das Fake News e rachadinhas, respectivamente. O próprio Moro admitiu e destacou a autonomia da Polícia Federal nos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma. Quem diria!!

Há outra acusação grave. Moro não assinou a demissão do diretor da PF e viu como ofensivo seu nome aparecer no Diário Oficial. Fica evidente o crime de falsidade ideológica. Ulala!! Há quem veja num horizonte próximo um processo de impeachment.

Shakespeare não escreveu farsas, e sim, entre outros gêneros, comédias. Para o que acontece no Brasil de hoje, precisamos encontrar uma nova terminologia teatral, adequada a um país único na sua desgraça, e brutalmente insensível diante dela, conforme asseverou o jornalista Mino Carta.

JOSÉ ERNANI ALMEIDA é professor de história do Brasil e especialista em história pela UPF/RS

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