ARTIGOS

À memória de Thiago Fabres de Carvalho

por Djeff Amadeus

– Que vem a ser o amor? Indagou Alcebíades.

– O amor, caro Alcebíades… o amor é o legado que Thiago Fabres de Carvalho nos deixou, respondeu o advogado. 

– Fabres, o defensor dos oprimidos? Reperguntou Alcebíades.

– Isso! Ele mesmo.

– Entendi. Então o amor é alteridade e afeto. O amor tem nome e sobrenome: Thiago Fabres.

– Isso, caro Alcebíades. 

Falar de Thiago Fabres de Carvalho é falar sobre alteridade, ou seja: é falar sobre o estender das mãos ao próximo. O Thiago era assim: não podia ver seus amigos e amigas tristes que tratava logo de encaminhar-lhes uma música, um poema ou, simplesmente, uma palavra amiga (pausa para as lágrimas…).

Colocar-se no lugar do outro – um dos grandes dilemas da democracia, dado que não se nasce democrático – parecia, para o Thiago, tarefa fácil, muito fácil. Isto, a toda evidência, explica o amor – e a saudade, claro – que ele deixou não só nos seus amigos e amigas, mas também nos oprimidos.

Isso mesmo: eu disse nos oprimidos, também; ou neles, sobretudo. Afinal: para o Thiago, quando o assunto era a defesa dos oprimidos, seja no direito, seja fora dele, lá estava ele, daí não ser raro ouvir dele, após dar algum dinheiro, abraço ou troca de sorriso com um morador de rua, um pedido… de desculpa. Pois é: o Thiago ajudava e ainda pedia desculpa!

Para ele os oprimidos nunca foram invisíveis. Aliás, talvez por isso (inconscientemente) tenha ele escrito um livro – ou seria melhor dizer: um clássico da criminologia! – cujo título é: Criminologia, (In)Visibilidade, Reconhecimento – o Controle Penal da Subcidadania No Brasil.

Nesta obra prima, Fabres analisou o sistema penal, deixando claro que a dignidade da pessoa humana, no capitalismo periférico, não se presta àquilo que dela se espera, dado que, neste modelo, o controle penal da subcidadania naturaliza a desigualdade, promovendo humilhação social e (in)visibilidade pública dos excluídos.

Pós-doutor em Criminologia na Universität Hamburg (ALE) e doutor e mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sob a orientação do nosso grande mestre e papai Lenio Streck, a intelectualidade de Thiago Fabres dispensa maiores comentários.

A título de encerramento do texto, destacaria, no meu irmão, a indignação com a manutenção do status quo, o que fazia dele, digamos assim, um “desobediente civil movido por amor e alteridade”.

Quanto a este ponto, aliás, muitas são as lembranças, mas destaco duas, em especial, começando por aquela trazida pelo nosso querido irmão e advogado mestre em direito, Jefferson Gomes, sobre um fato ocorrido em sua banca de mestrado, a qual tivera o Thiago Fabres como um dos professores convidados.  

Num dado momento, quebrando (ou desobedecendo) todos os protocolos, Fabres pediu a palavra, pegando todos e todas de surpresa, para proferir as seguintes palavras ao Jefferson Gomes: “Te amo, gordinho”. Risos.

Não havia ordem, protocolo ou formalidade autoritária que impossibilitasse o Thiago Fabres de exercer e demonstrar o seu amor pelos amigos, amigas e familiares. Lembro-me, a propósito, quando, num dos momentos mais difíceis da minha vida, eu disse que precisava sair do nosso grupo de amigos, do Whatssap, e pedi que ninguém – absolutamente ninguém – me enviassem mensagem ou tentasse me reincluir no grupo.

Alguns segundos depois, recebi a seguinte mensagem do meu amado irmão Thiago Fabres, que registro aqui para guardá-la para todo sempre:

“IRMÃO, SABE QUE TE AMO, CONTA COMIGO. ESTAMOS PREOCUPADOS. SEI QUE PEDIU PARA NÃO MANDAR MSGS, MAS SOU REBELDE E NUNCA GOSTEI DE OBEDECER ORDENS AUTORITÁRIAS. TE AMO, QUERIDO. TENTA ACALMAR O ESPÍRITO. SE PRECISAR DE MIM, ESTOU AQUI. BEIJO GRANDE.”

E, na sequência, desobedecendo por amor e alteridade, novamente, enviou outras mensagens, dessa vez não só em texto, mas também cantando e tocando um cavaco: 

“IRMÃO, SEI QUE ESTÁ NUM MOMENTO DIFÍCIL, MAS IMPOSSÍVEL NÃO LEMBRAR DE VOCÊ.  TE AMO.” E concluiu enviando um áudio dele, cantando…

Neste momento, são exatamente 02h:52m da madrugada de sexta-feira, dia 28 de fevereiro de 2020 e eu, ao lembrar disso, fui às lágrimas. Mas, desta vez, irmão, minhas lágrimas foram diferente. Estou chorando e rindo, lembrando de vários momentos maravilhosos que vivemos. Aliás, nosso livro, que estávamos escrevendo juntos, um dia ficará pronto e o dedicarei a você, meu amado irmão! 

É preciso parar, já que as lágrimas não mais me deixam continuar. Por isso, amigos e amigas, por derradeiro, a última, a maior lição deixada por Thiago Fabres de Carvalho: “Não há justiça onde não haja luta, indignação, alteridade.”

Amigo, hoje a minha inspiração

Se ligou em você

E em forma de samba

Mandou lhe dizer

Tão outro argumento

Qual nesse momento

Me faz penetrar

Por toda nossa amizade

Esclarescendo a verdade

Sem medo de agir

Em nossa intimidade

Você vai me ouvir

Quero chorar o seu choro

Quero sorrir seu sorriso

Valeu por você existir, Thiago Fabres

DJEFF AMADEUS é amigo de Thiago Fabres, advogado, mestre em direito e hermenêutica filosófica pela Unesa, pós-graduado em filosofia pela PUC-Rio, pós-graduado em processo penal pela ABDCONS-RJ e membro da FEJUNN e do Movimento Negro Unificado (MNU).

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