por Jefferson de Carvalho Gomes

Passamos toda a vida em uma busca incessante por dinheiro. O capitalismo nos faz acreditar que o mais importante para ter uma vida bem sucedida é ter dinheiro. Isso foi ainda mais agravado pelo neoliberalismo econômico. As pessoas têm passado suas vidas buscando riqueza material, fazendo o que for possível para tentar conseguir dinheiro, o canto da seria do capitalismo. Mas será mesmo o dinheiro o ativo mais importante da vida?
Penso que não. E explico. Penso que o ativo mais importante da vida é o tempo, pois o tempo é condição essencial para se buscar qualquer outra coisa que pretensamente cause bem-estar ou até mesmo felicidade. Se você acha que o ativo mais valioso da vida é o dinheiro, já se imaginou tentando buscar este ativo se não tiver tempo? Ou já imaginou pensar em fazer qualquer coisa sem que na frente disso tudo venha o tempo? Tanto é assim que, normalmente, todas as cobranças no mundo do capital são feitas a partir do tempo de trabalho gasto para determinada tarefa.
E mais, pensemos agora no Direito e sobretudo o Direito Penal, como marco. A partir do discurso oficial – e aqui não debaterei todo o grande discurso crítico –, temos que o Direito Penal serve para tutelar os bens jurídicos mais relevantes à sociedade, tanto é assim que tutela a vida, o que a meu ver é o bem mais valioso que uma pessoa pode ter, e justamente porque a vida necessariamente depende do tempo, pois viver é se inserir na linha do tempo até que um dia a finitude decida que seu tempo acabou.
A ficção já retratou bem o que eu acabo de escrever em O preço do amanhã. A ciência nos dá a condição mínima de existência: ar, batimentos cardíacos, circulação sanguínea, etc., mas vida sem tempo não existe, afinal quando comemoramos um aniversário, comemoramos que mais um ano se passou e um ano é… tempo!
Voltando para o Direito, aprendi com Thiago Fabres que o Direito Penal muito além de instrumento estatal para perseguir determinados extratos sociais que o poder dominante (ou capital), através de seu exercício de poder, determine como inimigos e por conseguinte os rotule como criminosos. E por isso – seguindo com as lições de Fabres – o Direito Penal é justamente o instrumento que o Direito usa para sequestrar os tempos das pessoas. Afinal, qual a medida principal de punição do Direito Penal? O tempo!
O Direito Penal usa como principal medida de coerção o sequestro do tempo. Pratique determinada conduta e ficará X anos preso, é o que as leis penais nos dizem, é o que o discurso oficial nos diz, é o que senso comum nos diz, dia após dia. E por óbvio o Direito Penal decidiu sequestrar o tempo justamente porque sabe que o tempo é a condição essencial de vida, e cada dia, cada tempo perdido num sistema carcerário que só desumaniza as pessoas é de alguma maneira uma morte: a morte do tempo, a morte do ser, a morte da dignidade e a morte da esperança. Depois do cárcere tudo mais que restava antes do sequestro do tempo se esvai, porque este Direito Penal que jura que é feito para ressocializar as pessoas, a bem da verdade é feito para matar lentamente quem um dia ousou se insurgir contra as leis (justas ou injustas), porque a partir do tempo que começa a sequestrar o tempo, aliando-se ao rotulacionismo que o encarceramento causa, não há vida que resista a toda crueldade que o Direito Penal causa.
E como lutar contra esse sequestro do tempo, esse sequestro da vida praticado pelo Direito Penal? Com Thiago Fabres aprendi que somente luta contra arbítrios quem tem capacidade de se indignar. Se indignar é lutar, dia após dia, contra o discurso oficial que tenta nos convencer utopicamente que somente através deste direito que só pensa na dor, na vingança, no sequestro do tempo, na agressão à determinados corpos é que o mundo pode ser melhor. Ou seja, somente sendo distópico, e mostrando todo dia, como Thiago Fabres nos mostrou que não há Direito possível, não há justiça possível senão através da dignidade, de olhar o outro, e sobretudo através de humanidade de entender que todo humano um dia pode falhar.
Quando este dia chegar, que ao invés de sequestrar o seu tempo, o Direito tenha uma nova utopia, e arrume outra maneira de coerção que não seja o sequestro do tempo, mas sim um olhar de alteridade e mais: seja humano, pois sem tempo e humanidade não há como existir um mundo melhor, pois o Direito que sequestra o tempo, já chega tarde, pois quando ele pensa em sequestrar o tempo a tragédia de há muito já existiu e ficamos todos nós nesta ciranda de que um dia o Direito Penal pode salvar alguma coisa, a pergunta que fica é: Salvar de quem? Talvez de nós mesmos…
PS.: Na última quarta-feira, dia 26 de fevereiro, Thiago Fabres de Carvalho nos deixou. O ensaio que precedeu este post scriptum tem tão somente o objetivo de homenageá-lo a partir de uma fala sua na UERJ, em 2017. Tive a honra de ser amigo de Thiago, e por vezes eu dizia que ele tinha que escrever mais sobre este sequestro do tempo pelo Direito Penal. Ironicamente, faltou tempo para escrever. Fabres deixa um legado de humanidade, humildade e indignação com todas estas mazelas que assolam o mundo nos dias atuais. Sorte de quem teve a oportunidade de conviver com o Thiago durante sua existência. Seguramente sua ausência deixará um vazio enorme em todos e também ao Direito.
Agora me reservo a escrever uma mensagem direta ao meu grande amigo: A filosofia por vezes nos faz questionar muito – e tudo! Com a filosofia aprendemos a questionar os dogmas e perguntamos sempre qual o real motivo de todo discurso que nos é posto. Mas depois da tua partida, meu irmão, me reservarei a deixar a filosofia de lado um pouco, e me perdoe, cairei um pouco no senso comum que tanto criticamos durante as nossas numerosascharlas ao longo da vida, e vou torcer, mas torcer muito para que exista algo além dessa vida, para que em verdade eu não tenha te dado um adeus, mas somente um até breve. Valeu, Thiaguinho. Obrigado por todos os sorrisos, um dia a gente se encontra.
JEFFERSON DE CARVALHO GOMES é amigo do Thiago Fabres, advogado criminalista, professor e coordenador Adjunto da Pós-Graduação em Processo Penal da ABDConst.
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