Por Mauro Gaglietti

Sig, O Rato, não tem a mínima noção de como o Brasil irá atravessar o agosto? Por um lado, sabe que essa paura ao mês justifica-se, em certa medida, em virtude de seus eventos trágicos que envolveram vários governantes. Fatos como os que enredaram os passos de Getúlio Vargas (PSD), por exemplo, marcaram tragicamente a história do Brasil. Depois de seu retorno ao poder – após a sua permanência na presidência (entre 1930 e 1945 Getúlio chega ao poder pela “revolução” e se mantém à base de manobras políticas e golpes, sendo eleito legitimamente somente em 1950) -, contando, ainda, com muita dificuldade – entre 1951 e 1954 – para aprovar as suas medidas populistas, houve o atentado no qual Carlos Lacerda (UDN e principal líder de oposição ao governo) e o marechal da Aeronáutica Rubens Vaz sofreram na Rua dos Toneleros (RJ). Esse último morre, mas Lacerda sofre apenas ferimentos. As investigações apontaram na direção de Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial, como autor do crime. O grupo de oposição ganha adeptos de políticos, setores empresariais e militares. Getúlio, que prometera não renunciar, acaba cometendo suicídio com um tiro no peito na madrugada do dia 24 de agosto de 1954. Jânio Quadros, por sua vez, assumiu como presidente do Brasil em janeiro de 1961. O símbolo de seu governo era uma vassoura para “varrer a bandalheira”. Durante seu governo, Jânio desagradou o Congresso e, também, a oposição, ao ensaiar uma aproximação com a União Soviética e a China. O ponto mais crítico de suas decisões governamentais foi a condecoração de Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Carlos Lacerda, líder da UDN, comandou a pressão ao presidente, que renunciou apenas sete meses depois de assumir, em 25 de agosto de 1961. A ideia de Jânio Quadros era ser reconduzido ao poder com apoio total do povo, mas sua ambição não vingou na medida em que seu vice João Goulart (PTB) foi conduzido constitucionalmente ao poder (Campanha pela Legalidade). Presidente do Brasil entre 1956 e 1961, Juscelino Kubitschek, por seu turno, morreu em um acidente de carro em 22 de agosto de 1976. Seu veículo teria colidido com um caminhão após ser atingido por um ônibus em alta velocidade em viagem entre as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. A situação no Brasil era de um conflito social prestes a eclodir por meio da violência entre os grupos políticos rivais. Salienta-se que desde o último governo de Getúlio Vargas (1951-1954) que setores conservadores do exército e da sociedade (UDN fazia parte) pretendiam realizar um golpe de Estado no País, para evitar o avanço dos ideais comunistas e socialistas representado pela União Soviética em aliança com Cuba. Tais tentativas ocorreram durante os governos de Vargas e Juscelino Kubitschek (1955-1960). No governo de Jango, o golpe civil-militar, então, tornou-se possível em virtude dos acontecimentos associados à altíssima inflação, altas taxas de desemprego, baixo consumo, implementação da “reforma agrária”, as chamadas “reformas de base” junto aos setores agrário, tributário, financeiro e administrativo; o fortalecimento do movimento operário; a aprovação da Lei de Remessas de Lucros (limitar o envio para fora do Brasil do lucro das multinacionais). Agosto, anos depois, também foi o mês no qual Fernando Collor perdeu definitivamente o apoio popular em seu processo de impeachment. Depois da entrevista de seu irmão Pedro Collor à VEJA, denunciando um esquema de lavagem de dinheiro no exterior comandado por PC Farias, o Congresso Nacional criou uma CPI para investigar as denúncias. Foram descobertos empréstimos fraudulentos para financiar sua campanha eleitoral ocorrida em 1989 e as contas operadas por PC Farias para financiar a reforma da Casa da Dinda, onde residia o presidente. O Fiat Elba ficou muito famoso. Sabe por quê? Esse carro foi adquirido com esse dinheiro. O então presidente conclamou a população a se manifestar – em sua defesa no dia 16 de agosto – vestida com as cores verde e amarelo. Na contramão, a população foi às ruas vestida de preto, dando início às manifestações dos “caras pintadas”. Uma semana depois, a CPI confirmou a transferência irregular de 6,5 milhões de dólares para financiar gastos do presidente. Em 29 de setembro, o impeachment foi aprovado e o vice Itamar Franco assumiu durante o afastamento de Collor. Em dezembro, veio a sentença e impugnação do político por oito anos. Tempos depois, o governador de Pernambuco por dois mandatos, Eduardo Campos foi indicado em 2014 como candidato do PSB à presidência do Brasil. Ao início da campanha, aparecia em pesquisas com menos de 10% das intenções de voto, atrás de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). Seu desafio era aparecer e ser conhecido nacionalmente durante a campanha para conquistar votos. Logo após sua entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, Eduardo Campos tinha uma viagem planejada para Santos para atender a outros compromissos de campanha. Na manhã do dia 13 de agosto de 2014, o avião em que ele e mais seis pessoas viajavam caiu em uma área residencial da cidade do litoral paulista. A investigação determinou que o avião estava fora da rota por conta de más condições climáticas. A tragédia foi a grande marca da campanha de 2014, que reelegeu Dilma Rousseff como presidenta. Assim, a campanha foi assumida por Marina Silva, que ficou em terceiro lugar na disputa. Por outro lado, Sig, O Rato, tem imaginado coisas nesses dias frios. Pelo visto, a aprovação da Reforma da Previdência na Câmara Federal pode contar com os votos do chamado “centrão” coordenado por Rodrigo Maia. Ao que tudo indica, agora em agosto sairá de cena, por um certo tempo, o “presidencialismo de coalizão” (O presidente para obter a maioria no Congresso divide o poder com outros partidos) e entrará o “parlamentarismo branco” (considerando-se que o sistema de governo que vigora seja o presidencialismo, o novo protagonismo tenderá a ser àquelas iniciativas associadas ao Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e o Senado). O “presidencialismo de coalizão”, consagrado desde 1946, e que subjugava o Legislativo aos voluntarismos do presidente eleito, cede lugar a um outro mecanismo de poder, uma espécie de “parlamentarismo branco”, no qual o Congresso promete deixar a condição de apêndice do poder Executivo para agir no paralelo, com uma agenda própria para o País. Diante desse quadro, Sig, O Rato, tem uma dúvida: será que os parlamentares estarão mesmo preparados para agir com autonomia, sem estabelecer articulações com o presidente? A partir da aprovação da reforma da Previdência, entrará em cena – provavelmente – uma nova realidade de poder no Brasil. Parece que em agosto, por iniciativa do Congresso, será apresentado um pacotão de medidas que versam sobre temas sociais, como segurança, saúde e educação. Encontram-se no foco, ainda, propostas como a autonomia do Banco Central, a redução da taxa de juros no cheque especial, o contrato de cessão onerosa entre União e Petrobrás e o novo marco legal de saneamento básico. Predomina a visão – com o objetivo de ver o País deslanchar – a despeito da cruzada ideológica do Palácio do Planalto, que, estaria atrapalhando a necessária e premente pauta econômica. A provável separação entre o Executivo e o Legislativo está muito próxima. A briga está por conta da tomada de iniciativa de propor as mudanças para o Brasil. O Planalto tende a não poder contar com os votos da maioria para aprovar projetos de seu interesse, depois da alteração nas regras da aposentadoria. Além disso, alguém precisará informar os “bolsonaristas” e “lulopetistas” que a campanha eleitoral do ano anterior acabou. Esse é o ponto que está polarizando o País e dividindo-o. No Congresso, o novo comportamento é encarado como uma reação às práticas adotadas pelo presidente desde a posse. Na verdade, durante a campanha o então candidato Jair Bolsonaro já ensaiava manter uma distância estratégica do Legislativo, dono de uma imagem em frangalhos. Para atender a sua base eleitoral contrariada com a política tradicional, bradou aos quatro cantos que evitaria o “toma lá, dá cá” por verbas e cargos com os parlamentares. Intuia que o Congresso capitularia aos anseios do Planalto fortemente pressionado pelas redes sociais e ruas. Os agentes sociais fizeram sua parte, por assim dizer. Mas os resultados não foram àqueles desejados pelo governo. Na prática, o tiro de Bolsonaro saiu pela culatra: além de não conseguir compor uma base solidificada de parlamentares, viu desabrochar um Congresso senhor de si, cioso do seu papel de motor do País. Sig, O Rato, não dorme enquanto não obtiver as respostas para algumas indagações. Caso o Parlamento aprove as medidas necessárias para fazer o Brasil sair da crise e o governo levar o crédito perante à população, os deputados e senadores permanecerão com a mesma estratégia? E como se portarão os parlamentares que ainda dependem dos agrados do Executivo (as famosas Emendas parlamentares usadas por Bolsonaro, Temer, Dilma, Lula, FHC) para se credenciarem junto às bases eleitorais? Sig, O Rato, só está por um agosto, a gosto do bem sofrido povo brasileiro. Bom dia, boa semana e até breve!
MAURO GAGLIETTI é professor universitário, mediador de conflitos e doutor em história pela PUC/RS
Referências Bibliográficas
FAUSTO, Boris (org.). História geral da civilização brasileira: Tomo III: o Brasil republicano – economia e cultura (1930-1964). 2a ed. São Paulo: Ed. Difel, 1986. FAUSTO, Boris (org.). História geral da civilização brasileira: Tomo IV. O Brasil republicano – sociedade e política (1930-1964). Rio de janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1991.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.
HOLANDA, Sérgio B. de. Le Brésil dans la vie américaine. In: LE NOUVEAU MONDE ET L’EUROPE. Rencontres internationales de Genève et Rencontres intellectuelles de São Paulo, 1954. Tome IX. Neuchâtel: Les Éditions de la Baconnière; Unesco, 1954.
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