Por Cláudia de Marchi

Vamos falar de respeito. Vamos falar de falocentrismo. Vamos falar dos contatos de tantos homens bonitos, mas desrespeitosos que eu bloqueio frequentemente e dos feios sem educação que, diariamente, me contatam e causam-me asco. Vamos falar sobre imposição de limites, sobre respeito e sobre o exercício do “direito a dizer não” sem o qual me resta concordar com as feministas radicais- que julgo insensatas na maioria das vezes- e ter que dizer que a relação entre uma prostituta e o homem que pretende pagar-lhe é um estupro mediante pagamento.
Sempre que um boçal, seja ele bonito ou feio, rico ou pobre, letrado ou iletrado, do nordeste ou do sul, me contata de forma pouco elegante e cordata, eu me indago: “Será que alguma mulher que se intitule acompanhante de luxo aceitaria combinar um encontro com um animal desse tipo?”. E, então concluo que falta imposição de respeito por parte da maioria das acompanhantes, afinal, com 2.777 homens bloqueados no meu WhatsApp, em 39 meses, concluo que, se a sua “abordagem” não funcionasse, esses bípedes circunstanciais se esforçariam para parecerem um pouco melhores.
Falta empoderamento para colocar esse tipo de homem em seu lugar. Falta feminismo em exercício! Ora, mulher alguma, independente de como exercite a sua sexualidade ou afira renda, precisa se “dar ao respeito” para ser respeitada, mas quando ele lhe falta deve ser pugnado com unhas e dentes!
Há muito tempo um cidadão me chamou às 05h21min de uma madrugada de domingo. Obviamente eu estava dormindo. Fez ligação de áudio às 8h. Ignorei. Tentei dormir mais, mas meu pai me ligou, acordei e acabei dando uma resposta ao indivíduo. Na época em que isso ocorreu eu era muito mais “mansa” e menos cansada do que sou agora[1], logo, disse-lhe educadamente a verdade: eu não tinha certeza de que estaria bem ao longo da manhã (cólica intestinal) e, como gosto de sexo intenso, não seria um período do dia interessante para um “date”.
Ele insistiu como se soubesse tudo sobre mim (teve das 05h às 08h para acessar meu site e se informar!). Fui gentil e quando eu disse que, conforme o proposto (“pegando leve”) eu o receberia, ele pediu meu endereço. Crente de que o homem sabia acerca dos valores, estava quase lhe mandando meu endereço, quando o indíviduo pergunta o valor do encontro e, na sequência, mostrando-se ser totalmente desprovido de vergonha na cara, pede-me um “desconto” de R$ 150,00.
Detalhe: além de muito bonito e de escrever corretamente, o indivíduo usava um WhatsApp dos EUA, razão pela qual, estando ele visitando a família no Distrito Federal, eu iria receber-lhe.
Bloqueei seu número, pois me senti aviltada com o menosprezo. E não, não se trata de estima demasiada pelo dinheiro, mas do que estava por trás daquela atitude pechincheira de quinta categoria. Trata-se da falta de respeito a quem precifica a sua companhia da forma mais “plausível” possível, afinal eu não faço nada mecanicamente somente pelo dinheiro, do contrário não “refugaria” tantos homens. No preço da minha companhia de valor inestimável não “está” o meu par de seios duríssimo e desprovido de silicone, tampouco o restante do corpo. Não está apenas o despudor e os meus “talentos” na cama. Não está apenas o humor e o papo de qualidade: está a baixa rotatividade de quem prioriza a qualidade e não a quantidade de encontros e homens.
Está a certeza de cuidados, higiene, perfume caro, saúde em dia e a ausência de homem na minha cama há um bom tempo. Ou seja: quem tem a minha companhia paga também pela minha inteligência e seletividade. “Algo” que homens de bom gosto (os que eu gosto!) costumam adorar.
Eu não combino encontros sem ver foto e dispenso homens que não sabem beijar. Literalmente: se o primeiro beijo for ruim eu não dou continuidade ao encontro. Química é essencial! O bonitão, após bloqueado me ligou de um telefone de DDD 61, como na época eu atendia ligações telefônicas (hoje em dia só atendo de quem conheço), atendi, o cidadão pediu mil desculpas, ouviu que o mundo não gira em torno do pau dele e que eu o desculpava, mas não iria receber-lhe.
Pediu o que poderia fazer para se redimir, eu disse: “Não insistir, procurar uma mulher que cobre o valor que pretendias pagar-me, respeitar as mulheres, façam elas o que fizerem da vida”. Ele insistiu. Disse-lhe que eu estava anojada e não o receberia em tal dia, quiçá nos próximos, mas não naquele. Uma parte de mim apiedou-se do desespero e reconhecimento de culpa do cara, outra parte de mim disse que desrespeito machista não se releva, meu intestino gritou por “socorro“. Ouvi aos últimos.
Enfim, seguidamente, eu sinto que luto praticamente sozinha pelo respeito às acompanhantes de luxo! E, se tem algo que me indigna atualmente, além do machismo e da misoginia, é a falta de empoderamento das mulheres, sejam prostitutas ou não, mas falo delas neste texto: o “trancar-se no armário” quando a sociedade patriarcal e a “família tradicional brasileira” mostram-se um antro abjeto de erros, abusos e falsidade, é um ato covarde e “autodesrespeitoso”!
Bem, me tornei cortesã em 2016, porque além de já estar bem madura, de gostar muito de sexo e de nutrir certa revolta, eu não teria que conviver com colegas. Colegas e convívio humano com intimidade era algo que, após 12 anos no Direito, eu queria evitar pelo máximo de tempo que pudesse!
Eu gosto de gatos e de raras pessoas, das quais, quiçá eu deixaria de gostar se delas me tornasse íntima. Logo, não tenho “amigas” ou colegas neste meio, ou melhor, nunca conversei íntima e pessoalmente com nenhuma acompanhante, até mesmo porque a vergonha seletiva em fazer algo e omitirem do mundo o que fazem (sendo isso aquilo com o qual pagam as suas contas) me afugenta.
Sou kantiana e não confio em quem faz algo do qual se envergonha apenas se o “mundo” vier a descobrir. Não gosto de quem se esconde por baixo de máscaras, seja a do Photoshop a de “cidadão de bem”, a de político honesto, a de moça de família, a de esposa leal, a de marido perfeito e por aí afora!
Eis que sou um ponto fora de muitas curvas e comigo vociferam poucas vozes. Poucas acompanhantes procuram conhecer o feminismo e pugnar para serem nele inseridas: o feminismo convencional, de regra, vira as costas para as prostitutas, seja por querer calar-lhes com uma “piedade” hipócrita, uma espécie de prática de preconceito travestido de preocupação, seja por ignorar a existência das mesmas e achar que elas devem ter vergonha do que fazem e manterem-se de cara tapada, lá, longe de qualquer palanque.
Quiçá se as mulheres “direitas”, “bem casadas” e profissionais de outras áreas ouvissem as acompanhantes mais empoderadas, aprendessem com elas e terminassem por ter vergonha do que se sujeitam para, ainda que sem perceber, serem agentes do mainstream que consegue ser machista e tacanho, até quando ergue a bandeira do feminismo.
Vejamos outros pequenos detalhes: fala-se em gordofobia quando se chama alguém de “gordo“, racismo por chamar afrodescendente de “negão” e machismo quando dizem “mulher é tudo igual“, certo? Não discordo da existência do preconceito exemplificado aí, não! Mas, por que se chama o cidadão infame de “filho da puta”? Por acaso, por ser prostituta a mulher não pode ser proba e boa mãe? Gostar de sexo não afeta a moralidade de ninguém: moral é moral, sexo é sexo e ser um pouco “depravado” no segundo não significa sê-lo na primeira. Aliás, tenho para dizer-lhes que a pessoa sexualmente contida tende a ser moralmente depravada.
Bem, por que se diz que o Brasil ou o Congresso Nacional são “puteiros“? Eu nunca fui num, mas por acaso não existe organização nos prostíbulos? Por que a esposa infiel ou a namorada que lhe deu o fora são chamadas de “putas“? Por acaso “toda puta” trai o marido ao invés de dizer que está infeliz? “Toda puta” namora com você e lhe dá um “pé na bunda”?
Eu nunca fui infiel, jamais seria! Sou e sempre serei a favor do “perdi o tesão, vamos manter o respeito e nos separarmos”, vez que ainda não atingi um nível de maturidade tal que me permita sugerir uma relação poliamorosa, onde, diga-se, há mais transparência e franqueza do que na maioria das relações monogâmicas.
Feministas não querem o uso de termos que diminuam a mulher (“isso é coisa de mulherzinha”, por exemplo), mas chamam os machistas escrotos de “filhos da puta”! Do lado das putas, quase ninguém problematiza nenhuma questão, afinal, preferem ficar trancadas no armário, muitas, ainda, em busca de um “príncipe encantado”.
Enfim, entenderam como essa trupe é desunida? Ou está aí me chamando de “vitimista“? Pois eu não sou, sou racional. Eu não digo que o preconceito que você sofre é vitimismo e você deve respeitar aquele que eu sofro, a única diferença é que sou uma das poucas a me expor, vez que as putas em geral não se rebelam contra a marginalização social na qual são inseridas, não se unem e se omitem. Já pensou como estariam os negros, os refugiados e os LGBTQ+ se nutrissem vergonha de si mesmos? Com menos direitos do que possuem, para dizer pouco.
São poucas as que, como eu, se afirmam sem vergonha alguma, até mesmo porque, do jeito que o Brasil está eu teria vergonha de dizer que sou deputada (quando envolvida em esquema de corrupção), juíza quando parcial, procuradora que não perscruta provas ou “um bom pai de família”, quando ausente na vida real e presente nas fotos do Instagram.
O Brasil e sua política nunca foram um puteiro, meu caro! O Brasil e sua política podem ser chamados de “família tradicional patriarcal”: o macho comanda, a infidelidade rola solta, mas, quando descoberta é ignorada em prol da imagem falsa de “feliz e realizada”. Enfim, o que comanda a instituição é a hipocrisia e a vontade de parecer belo para inglês ver!
CLÁUDIA DE MARCHI é advogada e acompanhante de luxo. Mais sobre a autora no site http://www.claudiademarchi.com.br
[1] Hoje em dia eu bloquearia sem resposta.
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