por Paulo Ferrareze Filho

Segundo Hannah Arendt, filósofa alemã do século passado, o trabalho é uma das três condições humanas. Ser condição, aqui, faz do trabalho e do trabalhar uma espécie de escravidão necessariamente imposta à natureza humana.
Especialmente a partir da modernidade, o trabalho acabará afetando mesmo aqueles que não trabalham, na medida em que, mesmo o maior dos vagabundos, dependerá do trabalho dos outros para garantir sua subsistência. Desse modo, como o trabalho é uma necessidade humana, a liberdade será sempre, no mínimo, limitada, relativa, incompleta, parcial.
Por outro lado, conforme aponta Bataille[1], com o trabalho, que começa a ser produzido pelas mãos do homo faber de neandertal, inicia-se o processo de afastar o ser humano de sua violência pulsional intrínseca.
Juntando os argumentos de Arendt e Bataille, tem-se que o trabalho é uma parcela da liberdade que necessariamente temos que perder para nos tornarmos mais dóceis, o que significa dizer, mais civilizados.
Com isso, podemos acrescentar, a partir de Freud, que não só a repressão das pulsões produz uma civilização ordeira e cumpridora de regras, como ele aponta no clássico Mal-estar na civilização, mas também o trabalho, como ordenador material da desordem inconsciente, participa do processo psíquico de conter a barbárie humana, o “lobo do homem”, para lembrar Thomas Hobbes.
Como pode comprovar a nossa observação sobre os desdobramentos sociais, econômicos, éticos e políticos nesse início de século XXI, os diagnósticos de Arendt e Bataille, realizados em meados do século XX, foram precisos.
Com o crescimento da urbanização, o ser humano se tornou cada vez mais dependente (do trabalho) do outro. Enquanto a figura de um eremita isolado da civilização nos parece muito mais história de cinema do que realidade, a percepção de que somos todos, inevitavelmente, dependentes uns dos outros, ao mesmo tempo em que forja novas concepções de relações de trabalho, mais atentas à questões como cooperativismo e compartilhamento, também comprova o diagnóstico de Arendt: de que o trabalho é uma condição inescapável de nossa natureza terrena.
Para corroborar o diagnóstico de que o trabalho nos afasta de da violência psíquica primordial, desdobrada a partir da pulsão de morte freudiana, basta pensarmos em dados que comparam os níveis de reincidência de presos com e sem rotinas de trabalho ou estudo (este que é um trabalho que fazemos para nós mesmos).
Apesar de ainda faltarem pesquisas para avaliar a relação entre trabalho e reincidência, conforme notícia do Jornal Gazeta “especialistas afirmam que, quando o preso trabalha ou estuda, a reincidência cai dos alarmantes 70% para 20%.”[2]
Isso tudo talvez nos ajude a
entender o caso Neymar, afinal, quanto menos trabalha, o que em futebol
significa jogar futebol, mais violenta a pessoa tende a ficar. Esses dias atrás
ele não deu um soquinho mixuruco no rosto de um torcedor? Vai trabalhar que
passa Neymar.
[1] BATAILLE, Georges. O erotismo. Tradução de Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013, p. 68-69.
[2] Conforme notícia do Jornal Gazeta. Disponível em <https: //www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/educacao-e-trabalho-na-prisao-reduzem-reincidencia-no-crime-79i83o4139inktm2r5ox7q7gu/>
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