por Paulo Ferrareze Filho

Em janeiro de 2019, escrevi um artigo perguntando ao Alexandre Fetter, âncora do programa Pretinho Básico (RBS Porto Alegre), qual era a graça de rir do exílio do então deputado Jean Wyllys que, na época, ao sofrer ameaças de morte por sua agenda política, foi morar fora do Brasil.
Não custa lembrar que Marielle Franco, assassinada por motivos políticos e sem direito a placa de rua, era correligionária de Wyllys. Talvez o cheiro da morte de Marielle é que tenha levado Wyllys a fugir. “Quem tem cu” – faça o que quiser com ele -, “tem medo”, diz a sabedoria popular. Ambos com carreira pública imaculada, fizeram esforços contra-majoritários no legislativo com pautas estranhíssimas aos conservadores, aos latifundiários, aos evangélicos e aos pitbulls-antiSTF-nascidos-em-corpo-de-gente.
Lembrem também que em janeiro de 2019, Bolsonaro recém iniciava sua a viagem psicodélica de ignorância, ódio e perversão, afagado por 60 milhões de brasileiros que, a partir da encarnação do salvador de meia tigela, espelharam, ainda que meras nesgas numa fresta, também a própria ignorância, o próprio ódio e os próprios traços perversos. Se o bolsonarismo fosse um bolo feito com esses três ingredientes, apostaria que foi a ignorância a parte dominante da mistura.
Se a risada de Fetter sugeria repúdio às pautas de Wyllys e, consequentemente, adesão ao bolsonarismo tosco que separava o Brasil de então, o que aconteceu ontem no BBB pode ser um alento. Isso porque Nego Di talvez tenha mostrado como parte da ignorância de janeiro de 2019 foi arrefecida, na medida em que o discurso fascistoide, que é sempre pouco engraçado, não encontrou o eco das massas nesse que é um teatro brasileiro do cotidiano.
Nego Di é um “humorista” sem carisma do Pretinho Básico, mesmo programa de rádio liderado por Alexandre Fetter. Aliás, conservando na própria carne um servilismo escravocrata, quem escuta o programa sabe que Nego Di trata a Alexandre como um verdadeiro Senhor de Escravos pós-moderno, com reverência e depreciação da própria raça.
O humor de Nego Di tem 30 anos de atraso. É semelhante aos programas de TV dos anos 1980 que faziam piadas idiotas com negros, gays e mulheres. Por isso as pessoas riam de Verão Verão (se você tem menos de 20 anos dê um google). O prof. Adilson Moreira já mostrou como o racismo, tornado recreação pela força do humor, conserva-se nefastamente no inconsciente social. Não é demais lembrar que, psicanaliticamente, fazer piada é permitir que o inconsciente fale. Por isso, quem faz piada com pessoas por conta de condições naturais como a cor da pele ou opções sexuais, certamente não maneja bem, subjetivamente, essas coisas em si mesmo. Sem muitos predicados humorísticos, o que Nego Di soube dizer de (supostamente) engraçado foi: “é us guri”…
Como sombra subalterna de Alexandre Fetter, Nego Di é só mais um fascistinha com elevado grau de ignorância. E poder de fogo aumentado pela propagação que os meios de comunicação tradicionais ainda têm. Foi esse lodo fétido que ebuliu dos esgotos em 2018 e que deu vida a Nego Di e a tantos fascistinhas como o deputado Daniel “pitbull” Silveira, que tem toda pinta de campeão de MMA. Esse, para mostrar a virilidade e a galhardia que só os machos heterotop têm, gravou vídeo durante a abordagem da Polícia Federal na própria casa se orgulhando de já ter sido preso 90 vezes. Sim, 90.
Esses fascistinhas têm todos o mesmo espírito terrível, a diferença é que uns tomam mais Whey que os outros. E todos eles, apesar de gostarem de sair do bueiro para colocar um pouco de ar além da merda que têm na cabeça, estão mais familiarizados mesmo é com o esgoto. Lá onde reinam soberanos os cocôs e aquelas ratazanas imensas e monstruosas.Já é tempo de tocar os fascistinhas de volta no esgoto.
Antes, porém, os façamos passar bastante vergonha.
PAULO FERRAREZE FILHO faz pesquisa de pós-doutorado em Psicologia Social (USP), é psicanalista em formação (CEAII/HSC-Unifebe) e professor de Psicologia do Direito (UNIAVAN).
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Muito, muito bom!
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