por Zeca Peixoto

Muitos se surpreenderam com os números do levantamento encomendado pelo site Poder 360 à empresa Paraná Pesquisas. Conforme a sondagem, Bolsonaro venceria seis candidatos na disputa à Presidência em 2022, tendo o ex-presidente Lula o oponente mais competitivo. Percentuais variam de 27% a 30% no segundo turno.
Muito embora não confie de todo em sondagens trabalhadas com metodologias ancoradas em ligações telefônicas – foram efetuadas ligações em 188 cidades de 27 unidades da Federação -, partamos da premissa que, ainda assim, espelhem tendências reais de opções de voto.
Deixo esta análise para especialistas. Limitarei comentar o fenômeno da não-corrosão da aceitação do presidente, posto que Bolsonaro prossegue nos mesmos 27% – 30% de aprovação desde o ano passado.
O fascismo é um fenômeno de massas complexo. E na forma que se apresenta nesta segunda década do século XX, na modelagem algorítmica, fica ainda mais difícil sua compreensão. E também o enfrentamento.
Durante minha dissertação de mestrado, quando estudei a propaganda política nazista, a primeira indagação que me chamou à razão era buscar entender o que motivou grandes contingentes a aderirem às narrativas da barbárie. Em 1945, Adolf Hitler, nos estertores do regime nazista num país destruído pela guerra, ainda contava com ampla base social de apoio.
Guardadas diferenças, a História se repete na Pindorama de 2020. O Brasil atravessa uma pandemia que contabiliza mais de 85 mil mortes e cerca de 2,5 milhões de infectados. Um país que sequer tem um ministro da saúde e que mais de 50% dos trabalhadores se encontram na informalidade; um país que 1% da população ganha 33 vezes mais do que 50% dos mais pobres.
A despeito deste quadro dantesco, a pesquisa da Paraná aponta que a situação em tela não altera a percepção de boa parte do eleitorado face a tragédia em curso.
Sejamos mais cirúrgicos para ir à infecção com destreza.
O bolsonarismo se move e se retroalimenta da força contrária. Bolsonaro e sua entourage jogam suas fichas na guerra linguística. E colhem resultados.
As narrativas são inteligentemente bem calibradas para indignar milhões de pessoas. E o golpe de mestre é saber usar estas indignações como grandes roteadores das suas mensagens.
De que forma? Entendendo que acusarão o golpe da maneira mais indevida possível. O que para milhões se apresenta como atos da estupidez, do grotesco, da baixaria, da coisa chula, do desrespeito, do achincalhe com a vida, do culto à morte, para a artilharia bolsonarista são preciosas balas de prata. Quanto tempo se gasta memificando imagens do presidente com embalagens de hidroxicloroquina à mão? Quanto tempo se perde veiculando sua imagem sendo bicado por uma ema? Quanto tempo se perde reificando a fotografia do presidente contaminado que, montado numa potente motocicleta, conversa sem máscara com um gari sorridente? São centenas de exemplos.
Ferir a racionalidade e a sensatez é o combustível que movimenta a máquina ideológica do bolsonarismo. Seus seguidores o veem como um líder perseguido, um presidente “forte” e que enfrenta uma doença às vezes letal se automedicando; um candidato que recebeu uma facada. Ele é a vítima. Sempre será. É o cara que “encara o sistema” e por isso é punido injustamente.
Passa à margem qualquer possibilidade de entender a realidade objetiva.
Os problemas reais do país são obnubilados por uma gigantesca nuvem narrativa previamente roteirizada com o propósito de polarizar discussões de varejo.
Milhões que se opõem ao projeto destruidor são presas fáceis às ciladas linguísticas. É uma espécie de brincadeira infantil do tipo “quem cuspir primeiro xinga a mãe do outro”. É a imbecilização do debate que ganha as redes sociais e viraliza.
E enquanto o exército midiático bolsonarista se move com desenvoltura e de forma uníssona, os players de oposição se encontram “ocupados” em reagir, individualmente, aos ataques aos seus valores éticos feridos.
A caixa da hidroxicloroquina levantada tal qual uma oferenda à frente da turba ensandecida às portas do Palácio do Planalto ganha status de agenda midiática.
Ao invés de se indignar em pequenas bolhas de irritação com o ônus do desgaste emocional, produzindo cards e respondendo à infâmia com memes idiotas, o correto não seria atuar em bloco, em grandes cardumes, para denunciar o vilipêndio dos direitos trabalhistas, da precarização do mundo do trabalho, entre outras pautas?
Momento de refletir.
A guerra ao bolsonarismo exige mais racionalidade e menos emoção; exige mais frieza do que o calor da indignação. A politização do debate num nível de discurso coloquial e acessível a milhões de pessoas é impreterível. E isso não está ocorrendo.
As respostas à artilharia linguística deste projeto nefasto não devem ser difusas num arco que contempla análises incompreensíveis para milhões ou, num outro extremo, o apego a memes pueris.
Entender que estar-se-á diante de um perigosíssimo projeto em curso de aniquilação do país concomitante à exploração desregrada e desumana da sua população. E este quadro só será didaticamente explicado a milhões se os players midiáticos das oposições se desvencilharem dessas armadilhas mentais.
Posto contrário, continuaremos a dar pérolas aos porcos.
É tudo que eles querem.
ZECA PEIXOTO é jornalista, professor universitário e mestre em História Social (UFBA)
Categorias:ARTIGOS
Excelente texto, excelente reflexão. Meus parabéns!
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