por Mariana Anconi

Enquanto assistia a uma palestra sobre o tema “fascismo na política atual” na The New School no ano passado, um estranho se aproximou e disse: “esse é um assunto perigoso”.
Evidentemente ele estava inquieto com o que estava sendo dito ali. Na hora pensei: perigoso para quem e por que?
Por mil motivos preferi não prolongar o assunto, mas fiquei pensando sobre os temas que hoje são considerados perigosos por alguns. Ou porque alguns se sentem ameaçados em relação a eles.
Hoje, questionar sobre saúde pública, educação básica ou ciência pode ser uma heresia. São temas considerados perigosos para alguns, pois expõem as rachaduras dos mitos construídos. O que fica claro é que quem acha perigoso falar disso tenta ocultar o fracasso em todos esses campos.
Sofia Coppola em um filme muito despretensioso (e por isso mesmo provocador) convoca o espectador a viver os triunfos dos pequenos grandes fracassos da vida dos personagens. Lost in translation (traduzido para o português como Encontros e desencontros) foi filmado na cidade de Tókio que, com suas letras e neons, também atua como uma personagem no filme: ora melancólica, ora excitante.
O encontros e desencontros são aqueles com a linguagem, ou melhor, com o fracasso dela representado no filme de muitas formas: fracasso em conseguir dormir, fracasso de Charlotte em se sentir amada pelo marido, fracasso na comunicação com os japoneses, fracasso nas ligações entre Bob e a esposa, fracasso ainda da relação sexual.
A questão é que Coppola não tenta ocultar isso do espectador. Os fracassos são colocados de uma forma muito honesta no filme. A gente chega a se divertir um pouco com isso. Se tomássemos uma via “lacaniana” agora, poderíamos enveredar pelo fracasso apontado no axioma “não existe relação sexual” mas…o que isso nos diz? Justamente que, porque há um fracasso ao tentarmos uma completude com o outro ou com nossos ideais é possível triunfar a partir dessa falta. Ao não conseguirmos fazer Um haverá espaço para desejar.
Os fracassos cotidianos nos levam a um lugar interessante quando o reconhecemos. Bob pergunta o que Charlotte o ela faz da vida, e ela diz que ainda não sabe muito bem sobre isso. Poder dizer que nem tudo está bem ou que ainda não se tem resposta como dizer “não sei” sem precisar encenar o contrário, me parece um ato de revolucionário nos dias de hoje.
Existe a ideia de que o sucesso hoje depende de uma encenação de uma autenticidade muito atrelada a produção de uma “subjetividade única”. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han fala que nesse imperativo de “seja autêntico”, o igual acontece. O autor alerta que esta lógica permite apenas que ocorram “diferenças negociáveis”. O instagram está aí para mostrar que ao se tentar ser único temos a produção em série de influencers e que se você fracassou em ser autêntico é porque não assistiu a última live do influencer da moda.
Há uma verdade no fracasso. Saber desse fracasso é um saber-fazer com ele. Se trata da possibilidade de produzir um saber a partir disso. Muitos confundem isso com tapar buracos, negar ou dizer o famoso “…e tá tudo bem!”. Será? O “e tá tudo bem” é o que recalca a verdade de cada um. Uma espécie de tabu particular.
Fracassar é da ordem da linguagem e dos encontros. Há um triunfo em seu avesso. Podemos fazer que nem Bob e sair com a camisa do avesso: fazer do fracasso seu humor. Estamos sempre meio perdidos nas traduções que fazemos dos outros e de nós mesmos. Aliás, há sempre uma perda nessas traduções que fazemos nos acontecimentos da vida.
Um assunto ganha um tom perigoso quando alguns se sentem ameaçados. O problema não é fracassar, mas a proibição que se fale dele. Falar de fascismo não é perigoso, deixar de falar sim. Falar dos números de mortos e contaminados em uma pandemia não é perigoso, mas ocultar isso é perigoso. O que é ocultado/recalcado em uma sociedade vira tabu muito facilmente.
Ouvi esses dias que a situação atual da pandemia atrelada a política está mostrando o pior lado ser humano. Bem, eu já vi de tudo, inclusive algumas ações louváveis, mas talvez o que torna tudo mais difícil seja o não reconhecimento do nosso fracasso.
MARIANA ANCONI é psicóloga, psicanalista e mestre pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP)
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