por Dídimo Heleno

O bolsonarismo sempre misturou religião e política, por isso o inconfundível aspecto de seita cristã.
O líder, chamado de “mito” por suas ovelhas, gosta de citar o versículo de João que diz: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
Ele foi visto e filmado mais de uma vez fazendo orações fervorosas com os seus asseclas.
A proximidade de Bolsonaro com o Estado de Israel não é apenas por afinidade política com o Likud, partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Tem muito mais a ver com a “Terra Prometida”, com a aura mística de Jerusalém, onde todos seremos julgados no grande dia do Juízo Final.
Política e religião, como nos tem mostrado a história, jamais foi uma boa mistura. Percebendo isso, os constituintes brasileiros decidiram por adotar, desde 1988, um Estado laico, ou seja, sem religião oficial, garantindo a todos o direito de crença, assim como o direito à não-crença, mas sempre no campo individual.
O Criador está na boca dos bolsonaristas, inclusive no slogan que representa o governo. O Brasil se transformou numa espécie de talibã democrático e o discurso que prevalece é o da defesa da pátria, família e Deus. A primeira está em agonia. A segunda, por enquanto, se resume ao próprio clã presidencial, cada dia mais necessitado de amparo jurídico.
Quanto a Deus, este permanece em silêncio, talvez por estar acostumado às súplicas de todos os pecadores, aos apelos da humanidade, sempre aflita, sempre a pedir, sempre a reclamar, exatamente como o “Povo de Israel” durante a trajetória do deserto bíblico.
Até a cloroquina, que existia discretamente, servindo aos acometidos pela malária, entrou na disputa ideológica que tomou conta de todos os temas nacionais. Dois ministros da Saúde já caíram também por conta dela.
O presidente, que parece estar muito mais em busca de um cúmplice do que de um ministro da Saúde, encasquetou que a cloroquina deve ser ministrada desde o início do tratamento aos pacientes da Covid, embora os mais sérios estudos científicos não sejam conclusivos quanto à questão.
Nelson Teich, que não assinou embaixo dessa orientação presidencial, acabou deixando o governo. Mas muitos apoiadores de Bolsonaro embarcaram na ideia e a elevaram ao patamar de crença.
Recebi vídeo que mostra um grupo de bolsonaristas cantando para o presidente, ao ritmo de “Florentina de Jesus”, do palhaço Tiririca, o versinho quase sagrado: “Cloroquina, cloroquina, cloquina vai pro SUS, eu sei que tu me curas, em nome de Jesus”.
Em outro vídeo aparecem muitas pessoas vestindo camisetas amarelas e com bandeiras brasileiras sobre os ombros, ajoelhadas num gramado, contritas e entoando uma música sacra.
É um fenômeno nunca antes visto no cenário político nacional.
DÍDIMO HELENO é advogado
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