por Paulo Ferrareze Filho

Tem o Bolsonaro com a doença dele que, porra, parece que vai carcomendo a gente também.
Tem o vírus, a pandemia, essa porcaria toda de tira a máscara, põe a máscara, tira a máscara. O óculos que embaça, a vida que embaça.
Tem o jogo do time da gente que não passa mais. A gente inventava uma coisa idiota como o futebol pra torcer e agora não dá mais pra inventar muita coisa.
Tem a vida da gente retorcida, doída por dentro, fodida.
Tem o Gonzaguinha ferrando a alma da gente com esse monte de música melancólica.
Tem aqueles caras que a gente achava que tinham salvação mas que ficam achando que a imprensa é podre só porque critica o psicopata que eles não conseguem diagnosticar. Eu fico muito siderado com a cegueira deles. E não entendo direito até hoje porque isso me adoece tanto.
Tem a hipocrisia nossa e a do mundo que se misturam. A gente posta uma coisa e faz outra. Todo mundo é uma mentira. Uns mentirinha outros mentirão.
Tem a saúde física indo pelo ralo com o passar dos dias, cada dia a mais, um dia a menos. As nossas barrigas pornográficas e nossas perebas dançando o mesmo baile que o nosso lodo mental.
Tem nossa inaptidão para os outros, nossa falta de paciência, de empatia. Comunicação não violenta? Peraí gente, ninguém nos ensinou isso de ser tão legal assim.
Tem os demônios que precisam passear no parque. Vocês não têm? Eu sim. Eles reclamam, esperneiam, querem porque querem. Eles nos colocam uma faca na garganta e nos coagem a levá-los ao parquinho. E no balanço eles ficam indo e vindo e achando que somos idiotas. Sempre tão certos. Como você fica em paz com teus infernos na pandemia?
Tem os felizes. É duro constatar que a felicidade é ingênua. Eu me nego a ser ingênuo. Na felicidade nada falta. E em mim é uma falta só. Mas a quem foi dado o direito de ser ignorante e feliz, que assim seja.
Tem tudo que não dá tempo de fazer. Tem tudo que se tem que fazer. Tem o prazo das coisas, da vida, da morte.
Tem um jeito de viver que ninguém descobriuComo faz? É assim mesmo? Então é isso? Soltem o decreto, alguém há de ter guardado algum sobre como faz pra costurar as horas e os minutos de um dia.
Tem o esmagamento dos nossos peitos cheios de medo, de expectativa de nadas, de desejo de ser alguma coisa além de um corpo que caminha para ser mais velho, mais experiente, mais prescrito e mais inapto para o mundo que certamente não nos entenderá quando tivermos 80 anos.
Tem essa gente que passa fome. Chegamos até aqui sem resolver a fome dos outros. E nós aqui tentando resolver nossa angústia burguesa. Quem tem fome nem pode se dar ao luxo da melancolia. Então nós melancólicos ficamos todos cheios de culpa. Temos que esconder nossa melancolia pra que ela não ofenda quem tem fome. Quem dirá que não há nobreza nesse esconderijo? A fome é sempre mais nobre que qualquer coisa porque ela é sempre urgente. E não há nada pior que uma urgência não satisfeita. É você precisando cagar sem ter um vaso perto.
Tem aquilo que morreu e que não enterramos. Que não sabemos se fuçamos bem pra saber se fede ou se tentamos uma respiração boca-a-boca pra ver se ressuscita.
Tem essa nossa vida absurda. A nossa vida é como os ministérios do Bolsonaro. A gente devia colocar gente técnica pra cuidar das coisas mas acabamos sempre cedendo pra gente que sinta alguma parecida com o sentimento da gente. Pode ser um miliciano de merda ou um poeta improdutivo para o mercado.
Eu realmente não sei nada sobre as coisas. Mas quem é que sabe?
PAULO FERRAREZE FILHO é professor universitário e psicanalista em formação
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