por Pedro Fonseca

Agora são 20h15 de 19 de março de 2020. Voltava para casa quando o som das panelas invadiu a rua. Muitos gritos de fora bolsonaro. Puxei dois ou três “Volta, Lula” pra ver se colava. Nada. Já é o terceiro dia em que as panelas batem no mesmo horário, e com a perspectiva da quarentena, acho que isso continuará até Bolsonaro pedir pinico ou botarem ele pra fora.
Tô curioso pra saber como eles vão fazer, mas o estado de emergência em que o coronavírus nos colocou possibilita, acho, um golpe-a-jato. Tirando Bolsonaro ninguém reclama. Mourão vem e mete um estado de sítio, mezzo coronavirus, mezzo AI-5. Triste fim, e nem é o fim ainda.
Esse lance das panelas é engraçado. Agora e em 2016, o expediente parece o mesmo (quanto às panelas, não sei). A notícia corre nas redes, o pessoal atende ao chamado, a mídia bomba os protestos e lá está ela: a voz das ruas.
Os panelaços anti-bolsonaro estão na home dos jornais e sites, nas rádios, na TV. Não lembro do mesmo destaque para as várias manifestações contra o golpe de 16 ou a prisão ilegal de Lula. Ou nos protestos prévios contra Temer, Bolsonaro e a agenda neoliberal (é verdade que não foram muitos, nem muito significativos). De qualquer modo, agora, sim, parece importante.
O descaso de Bolsonaro e sua turma em relação ao vírus é lamentável, mas não surpreende. As medidas do bolso-guedismo nos últimos 16 meses são desastrosas e trágicas, em várias áreas, saúde, educação, cultura, previdência, trabalho, direitos humanos. Em tudo, voltamos 70 anos, com efeitos nefastos que vamos sentir por outros tantos (cinquenta? setenta?). Porque será que só agora as panelas batem e viram notícia? Porque batem nos bairros da classe média, como antes? Quem decidiu que era a hora?
A convocação para o panelaço é curiosa. O “flyer” que recebi de vários amigos pelo zap dizia: “Não precisa concordar comigo, só precisa discordar dele: barulhaço contra Bolsonaro. Vá para a janela. Grite, apite, toque corneta, bata panela, cante. Só não vale se calar“. Fiquei encucado com o texto. Há um convite extensivo (não precisa ser de esquerda, pode ter votado em Bolsonaro, Dória, Amoedo, qualquer um); “call for action” publicitário (grite, apite, bata panela) e um apelo final na mesma linguagem marqueteira: não fique fora dessa, “só não vale se calar“. Todo mundo tem que participar, cada um fazendo a sua parte, postando no insta e gritando nas janelas.
Ontem, enquanto as panelas batiam e turma gritava, ouvi o empacotador do supermercado, menino negro saindo da adolescência, complementar o “fora bolsonaro” com um lúcido e naîf “e vota de novo!”. Ele não parecia acreditar. A mim soou, antes, como um resmungo. Outras panelas já bateram, tempos atrás, nessa mesma vizinhança.
Na periferia, segundo vi num jornalão, os protestos foram “menos animados”. Se li bem o que Jessé Souza propõe em Elite do Atraso, há, entre os pobres, maior pragmatismo e racionalidade nas decisões que dizem respeito à macropolítica, pois para quem vive na miséria, a realidade se impõe e as ilusões já não se sustentam.
De fato, enquanto as panelas batem na região central de São Paulo, na periferia – como estão os mais atingidos pela “agenda brasil” que a direita neoliberal implementa nesse país desde 2016 – há mais com o que se preocupar (o feijão de amanhã, o aluguel, a água, a luz). E afinal, será Mourão melhor?
Não bati panelas, mas também quero crer que, a essa altura do campeonato, qualquer mudança tá valendo. Vejamos, então, a próxima etapa do pesadelo.
PEDRO FONSECA é advogado, jornalista e psicanalista
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