por Juan Manuel Domínguez

Antes de você chegar aqui achando, raivosa ou felizmente, que esse texto quer subestimar a estrutura moral e simbólica que sustenta o sistema de valores de toda uma população, esclareço que, fora do escandaloso título, as palavras a seguir propõem uma reflexão sobre como é saudável para a comunidade humana continuar propagando massivamente atitudes preconceituosas, moralmente autoritárias e, em alguns casos, que legitimam a violência física. É isso que acontece em vários países onde o Islã é a religião mais popular e institucionalizada, e, onde todos anos, centenas de mulheres e LGBTQ+ morrem apedrejados ou enforcados, em resumo, assassinados pela ira fundamentalista conservadora do Corão.
Todes entendemos e concordamos com princípios como “não matarás”, “saberás perdoar” ou “julgarás os outros como a ti mesmo”. Existe consenso universal sobre o positivo que essas empáticas iniciativas geram dentro de um corpo social. O provocativo do título tem relação com os acontecimentos que vem se sucedendo recentemente no Brasil, onde a comunidade religiosa está se arrogando o direito de subjugar e silenciar as aspirações de outras formas de reconhecimento da vida, na qual os textos religiosos não ocupam um papel fundamental na hora de intuir e acionar um comportamento humano digno.
Mas, de onde provêm esses textos que, no Brasil, atualmente estão sendo utilizados com tanta frequência para fazer, de cada crente, um pequeno e tacanho ditador dentro da sua vida cotidiana, e um furioso, patético e reacionário gladiador nas mídias sociais?
Talvez não seja muito casual que esse “Deus Rei” masculino, despótico e megalomaníaco, tenha se instituído, com variáveis, num momento em que a sociedade estava fortemente submetida pele domínio do homem hétero-patriarcal. Não parece ilógico que o “Deus Pai” seja talvez um reflexo do modo de governar um lar que se tinha há mais de vinte séculos em todo ocidente e parte de oriente médio. Talvez esses textos não sejam mais que uma mitomaníaca transcrição da forma delirante e condescendente em que os homens daquela época olhavam a si mesmos, e da forma altaneira e hierárquica que observavam qualquer outra forma de vida humana e animal.
A religião parece ser assim, para muitos, uma legítima narrativa de louvor ao ego masculino. Claro está, existem múltiples formas de dosar essas doutrinas. Algumas, aos poucos, vão retrocedendo do centro falocêntrico. Com muita calma e aparente paciência, já que cada dia que passa é mais difícil continuar sustentando a segregação e o pré-julgamento como norma unificadora. Há séculos, talvez desde seu próprio princípio, e com muita mais intensidade nos tempos atuais, que a vida humana vem puxando desde dentro dos corpos e das almas, para se expandir como singular e indómita. A vida reclama seu caráter inapropriável, imprevisível e efêmero. Até agora, as religiões operam como o último bastião moral entre a total realização humana e a sua negação.
Porém, hoje, para uma grande quantidade de líderes religiosos megalomaníacos, e de servos ensandecidos (ambos grupos igualmente hipócritas), a religião pode ser usada também como retórica válida para exercitar a hostilidade, a repressão, o abuso de poder e até a violência física. A religião já fez, e continua fazendo, de muitos lares, o terror e o pânico de muitos adolescentes que procuram por uma identidade. Outros se ajustam desde cedo ao sistema, compactuam e negociam uma bonança baseada na sujeição à leis fundamentais, se comprometendo a propagar e multiplicar a doutrina. Tornam-se, assim, precoces tiranos, dentro e fora dos seus lares, propagando o conceito de hierarquia e privilégio como regra fundamental de toda coletividade. Assim foi, principalmente a partir da fé cristã, que o mundo se tornou um campo de batalha, de ocupação e de posse.
Seu mecanismo, o temido “irás para o inferno” como discurso intimidatório, paralisa e destrói toda tentativa de liberdade e de espontaneidade. A religião é um engenhoso artifício que o ser humano tem concebido contra si mesmo. Se impedindo assim a ousadia de assumir seu caráter de mero passageiro dentro da experiência universal. Um simples e ordinário elemento da vastidão cósmica.
Desconfie de todos que se apresentam como imaculado intérprete do mistério da vida. Duvide, de forma acirrada, de toda categorização simplista daquilo que a ti é desconhecido ou ainda, a priori, reprovável. Só o autoritarismo, a busca por privilégios, a violência e o ódio provocam desolação e desconsolo. Enquanto se reproduza a bondade, o amor, a equanimidade e a justiça, a paz governará neste mundo ou em qualquer outro âmbito supra-terrenal no qual você queira acreditar.
JUAN MANUEL DOMÍNGUEZ é militante, professor, escritor, jornalista, roteirista, produtor e diretor de cinema. Fotógrafo especializado em fotografia de documentário para a defesa dos direitos humanos.
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