ARTIGOS

Ostentar

por Marcelo Alves Dias de Souza

O status social de uma pessoa pode advir de diversos fatores. O sucesso na profissão e a riqueza são, em regra, as réguas mais utilizadas. Esse sucesso ou riqueza podem vir de muito estudo, do trabalho diuturno ou de um talento natural. Outras vezes, eles vêm simplesmente de uma riqueza herdada ou mesmo de uma fama imerecida.

Estadistas e políticos comprometidos com o bem público (bons presidentes da República, por exemplo) têm status elevado em virtude de suas realizações e pela influência na vida do seu país, embora não sejam necessariamente ricos. Cientistas, pensadores e escritores também têm alto status pelas suas contribuições – uma vez reconhecidas, claro – para a humanidade. As estrelas do esporte, certa gente da TV e, sobretudo, os cantores sertanejos da moda têm muita riqueza e, consequentemente, status, muito embora a questão da contribuição destes para a qualidade da música popular brasileira seja deveras discutível.

Para além dessas figuras, há o rico homem de negócios (e seus familiares, claro). E é a partir desse tipo, muitas vezes caricaturado, que eu vou analisar a tal “ostentação”, como forma de obtenção de status social. E se assim o faço é apenas porque o economista e sociólogo americano Thorstein Veblen (1857-1929) antes de mim o fez, pioneiramente, no final do século XIX, analisando o que ele preferiu chamar de a “classe ociosa” de então.

Conheci Thorstein Veblen e a sua “A teoria da classe ociosa” (1899) por intermédio do economista John Kenneth Galbraith (1908-2006) e do seu livro “A era da incerteza” (Livraria Pioneira Editora, 1980). E registro aqui mais uma vez que “A era da incerteza”, uma sugestão de leitura do meu pai, é um dos melhores livros que já devorei em toda minha vida.

Galbraith registra que The Theory of the Leisure Class tem por tema central o profundo senso de superioridade que é conferido ao rico por sua fortuna. Mas, para ser devidamente usufruída, essa superioridade tem de ser reconhecida; por conseguinte, uma grande preocupação dos ricos é a meticulosamente planificada ostentação da riqueza. Duas coisas se prestam a esse propósito – o Lazer Ostensivo e o Consumo Ostensivo. Ambos os termos, em especial o segundo deles, foram consagrados indelevelmente na língua por obra de Veblen. O Lazer Ostensivo é a distinção oferecida pelo ócio ou indolência num mundo onde quase todos precisam trabalhar, onde nada mais preocupa tanto o corpo e a mente. O rico poderia trabalhar para si mesmo. Mas ele consegue muito mais status e distinção através do ócio de suas mulheres. O Consumo Ostensivo é o consumo destinado exclusivamente a impressionar pelo custo das coisas compradas. O bom gosto não entrava na questão. Jamais, após a publicação de The Theory of the Leisure Class, pôde um rico gastar tão ostensiva, despreocupada e prazerosamente sem que alguém ridicularizasse o seu gesto como sendo Consumo Ostensivo”.

E podemos até avançar um pouco na crítica de Veblen, deixando de lado o “novo-rico” para olharmos aqueles não tão ricos assim. O fato é que as pessoas comuns são influenciadas pelo comportamento dos ricos e poderosos. E vem a imitação, mais uma vez. Os “remediados” e até os mais pobres passam a copiar as extravagâncias da classe privilegiada, comprando e ostentando os mesmos bens de consumo, a um custo muitas vezes inviável para si e para a família, como se, com isso, elevassem o seu próprio status social. “Eu tenho e eu uso uma roupa ou um celular igual ao das irmãzinhas de sobrenome esquisito; sou igual a elas, portanto”, é o que estaria por trás dessa arte da imitação/ostentação.

Bom, isso de ostentar – para obter a estima e, especialmente, a inveja dos outros – não é tão novo assim. Apenas virou uma prática mais generalizada, numa sociedade em que “ser” ou “ter” se tornou bem menos relevante do que “parecer ter”. Além, claro, de que hoje se ostenta com um superlativo mau gosto. 

MARCELO ALVES DIAS DE SOUZA é Procurador Regional da República e doutor em Direito pelo King’s College London

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