por Paulo Ferrareze Filho

No mesmo final de semana:
- acabei de ler o livro O que os donos do poder não querem que você saiba, de Eduardo Moreira;
- vi o filme Parasita ganhar o maior prêmio do cinema, e
- vi Paulo Guedes chamar os funcionários públicos de parasitas.
Jung chamou as coincidências de sincronicidade: uma espécie de paralelismo que ocorre entre o mundo objetivo e o mundo psíquico. Sincronicidades são, sobretudo, recados que o mundo psíquico traduz no mundo real. Pode-se objetar esse conceito junguiano… Mas foda-se essa discussão agora.
Pois é disso que se trata: paralelismo. Para captar recados inconscientes, uma das estratégias magnas da psicanálise é prestar muita atenção naquilo que se diz. Daí porque a palavra chave dessa (misteriosa?) trama é justamente esta: parasita.
Parasitar significa sobreviver a partir de um hospedeiro. O interessante entre a mensagem de Guedes e a mensagem do filme Parasita é que elas usam a mesma palavra para conferir significados que não são nada parecidos.
Observe. No filme, o recado é claro: parasitas são os ricos que sugam os pobres. Na fala de Guedes, parasitas são funcionários que trabalham para o Estado. Ou seja, Guedes faz elogio à privatização, à meritocracia e ao empreendedorismo, ao mesmo tempo em que critica a paquidermice do Estado.
Afinal, quem pode legitimamente evocar a palavra parasita: Guedes ou o filme coreano? O pequeno livro de Eduardo Moreira pode, com sólidos argumentos, responder essa pergunta.
Por isso é um livro que poderia acabar com a catarata política de muita gente, caso essa gente conseguisse ler alguma coisa além de placa de trânsito.
Um dos problemas do Brasil é que as pessoas deixaram de ler. Há muitas coisas que contribuem para a obsolescência da leitura: smart phones, redes sociais, filmes demais no Netflix, culto ao desempenho, necessidades de network e suas sociabilizações insuportáveis etc.
As livrarias brasileiras estão em crise. As maiores enfrentando falências ou em recuperação judicial. As menores publicando muita porcaria para ganhar mais de quem publica do que de quem compra. Fato é que estão todas fodidas das pernas porque ler no Brasil é hediondo.
Ao não ler, a tendência de quase todo mundo é acreditar no que os outros falam, sejam ministros ou filmes (ou documentários…). A crença sempre foi uma espécie de salvaguarda contra a ignorância. Daí porque acreditar no discurso aparentemente mais coerente funciona sempre bem como anestésico de ignorante.
O que o livro de Eduardo escancara está baseado em um conhecido chavão: se quiser descobrir as engrenagens e como funcionam as coisas, siga o dinheiro.
Ao seguir o dinheiro, Eduardo demonstra quem, afinal, parasita quem.
Se quiserem entender se Guedes ou Bon Joon-ho está com a razão, sugiro a leitura do livro do Eduardo. Ou se você é desses que não lê porra nenhuma, sugiro que veja Parasita. O recado é o mesmo.
PAULO FERRAREZE FILHO é professor de psicologia jurídica (UNIAVAN), pós-doutorando em psicologia social (USP) e psicanalista em formação
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