por Sabrina Vianna

A efemeridade dos relacionamentos amorosos já foi tachada por Zygmunt Bauman como liquidez. No entanto, certas posturas podem chocar e degradar a ponto de causar náuseas.
Em um local seguro, converso descontraída com colegas. Estávamos em quatro mulheres com idades entre 30 e 50 anos. Uma delas se divertia com seu aplicativo de relacionamentos: o cardápio de carne humana chamado Tinder.
Entre risadas e deslizar de dedos, os possíveis pretendentes iam sendo descartados na tela por ela, até que um deu “match”: curtidas trocadas e a possibilidade de uma conversa ou encontro.
Ao nos mostrar a foto, vimos um homem bem-apessoado e negro que se descrevia como tendo 1,93 de altura, trabalho fixo, sem vícios e solteiro.
Ao expor o desconhecido para apreciação da mesa, uma amiga se adiantou: “Ele é bem lindo amiga!”
No entanto, outra amiga nos mostrou a foto de um homem e disse: “Eu gosto é disso: CARNE NOBRE!”.
O ambiente foi impregnado por uma energia pesada que tomou de assalto todas no recinto. O coro que se seguiu questionou:
“CARNE NOBRE?”
“Como assim: CARNE NOBRE?!”
“O QUE É CARNE NOBRE PARA VOCÊ?”
Sem esperar que o racismo, sempre abjeto, viesse de pessoas tão queridas e tão próximas, fomos tomadas por um sentimento amargo.
A carne nobre, segundo aquela mulher branca, era a de um homem também branco, que não tinha nenhuma descrição em seu perfil, mas que se tornava nobre simplesmente porque tinha aquela cor de pele.
Em sua defesa, a mulher disse que a objeção dela com homens negros era em razão do tamanho do pênis. Informei a ela que, ainda assim, a postura era racista.
Ela contra argumentou mencionando que japoneses também podem ser desprezíveis por mulheres que não gostem de pênis pequeno. Todas nós, em coro, completamos dizendo: “Isso também é racismo”. Afinal, são lendas de homens brancos europeus usadas para desprezar outros povos.
Esse fato, certamente não incomum, demonstra que tanto mulheres quanto homens negros são hipersexualizados. A expressão popular brasileira que refere peles negras como “a cor do pecado” é prova de que o racismo está não só na linguagem como em nosso DNA. A associação de negros e negras com animais também confirma essa chaga. Não sem razão que até hoje usa-se a expressão “amas de leite” entre outras. De geração em geração, sem refletir sobre o que dizemos, nos tornamos contribuintes da disseminação do racismo e do preconceito.
A música abaixo, de Elza Soares, reflete essa infeliz e ainda atual realidade, tão inconclusa quanto esse texto:
“A carne mais barata do mercado é a carne negra Está ligado que não é fácil, né, mano? Se liga aí A carne mais barata do mercado é a carne negra |
Só-só cego não vê Que vai de graça para o presídio E para debaixo do plástico E vai de graça para o subemprego E para os hospitais psiquiátricos A carne mais barata do mercado é a carne negra Que fez e faz história Segurando esse país no braço, meu irmão O cabra que não se sente revoltado Porque o revólver já está engatilhado E o vingador eleito Mas muito bem-intencionado E esse país vai deixando todo mundo preto E o cabelo esticado Mas mesmo assim ainda guarda o direito De algum antepassado da cor Brigar por justiça e por respeito (Pode acreditar) |
De algum antepassado da cor Brigar, brigar, brigar, brigar, brigar Se liga aí A carne mais barata do mercado é a carne negra Na cara dura, só cego que não vê A carne mais barata do mercado é a carne negra |
SABRINA VIANNA é atriz, diretora, produtora cultural e integrante da setorial de cultura afro do Vale do Itajaí/SC
Categorias:ARTIGOS
Já vi um texto sobre a indústria pornográfica que passava essa mensagem. A negra quando entra no meio vai pros filmes mais pesados, mais dolosos,de serem feitos, como sexo com dois, lidar com caras mais avantajados, essas coisas, e quando a branca entra ela por último vai pros avantajados, tem toda uma hierarquia, e por terem mais um pouco de respeito com elas conseguem ter carreiras mais longas. E os negros,então? Mal conseguem papéis. Só pra nichos bem específicos. Isso digo no mercado americano.
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