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Quando setembro acabar

por Ana Carolina Seffrin

Senhores e senhores: há pouco passamos pelo dia 11 de setembro e falta pouco para o ano acabar.

No Rio Grande do Sul, o dia 11 de setembro de 1836 saúda e ovaciona o pretérito no vernáculo de uma desleal e mendaz República Rio-Grandense – quimera da ciência política. Um proclamar de uma ilusão perigosa, porque assim se corrompe o poder da palavra e o jugo da autoridade. O paradoxo de um “Estado” nunca reconhecido por forças Imperiais. Em 11 de setembro de 1836, um homem, general, protagonista de nome “Neto”, proclama, sob o rastro de sangues plurais, órgãos, cabeças, mãos e corpos corroídos e carcomidos de seres humanos; da morte floresce uma “República”, disparate de senhorios e oligarquias que, com petulância e desrespeito, ultrajaram a sobrevivência humana.

Em 11 de setembro de 1836 traduz-se uma Revolução de Extermínio que nunca resultou em liberdade, sobretudo a escravos; se “lutassem” em nome das ficções do poder, teriam um pretenso e imaginário papel em mãos que lhes garantiria o desejo de ir e vir sem correntes.

São as chagas da história.

No 11 de setembro de 2019. As vítimas de 1836, muitas vezes esquecidas, foram enganadas e soterradas na labuta sobre-humana em intentare, ser parte de um povo “com virtude” longínquo da escravidão. Hoje? Dia 11 de setembro. É o ar rarefeito de setembro.

Ninguém esquecerá dessa data, 11 de setembro.

Dia da malandragem da vida, rasteira do esquecimento de homens que, livres, nasceram e, escravos, tornaram-se; seres humanos que, em 11 de setembro de todo e qualquer ano, a terra proclamou porquanto corpos livres da pendência de mentiras de oligarquias e falsos saberes. A terra os abraça como filhos legítimos. Lutaram sobre ela em nome de um direito intrínseco. A terra devota aos cadáveres dignidade. Faz do sentimento de luto a soberania das vítimas porque não vemos ninguém a celebrar a fatalidade de destinos cruéis.

Minha alma respeita a lembrança: seja em 1836 ou 2019, o que fazemos em nome da liberdade? Muitos usurpam a vida em nome de Repúblicas. De arbítrio e preceitos. Infidelidades, mesmo infiram o aniquilar físico e psíquico de indivíduos.

Mas vamos falar sobre setembro.

O cantor norte-americano, compositor, multi-instrumentista e vocalista da banda Green Day, Billie Joey Armstrong, perdeu o pai – vítima de câncer –, em 11 de setembro de 1982. Afirma-se que Billie, aos dez anos de idade, ao término da cerimônia fúnebre, manteve-se isolado em seu quarto, derramando as lágrimas que nenhum adulto poderia apaziguar. A dor é algo que entre sono e vigília institucionaliza.

Enquanto alguns comemoraram o 11 de setembro prefiro relembrar a fragilidade emocional de Billie, vários setembros ressurgem. Nenhum retrocede. O cantor, ante adimensional capacidade artística, transforma a dor em “arte” – nunca amnésia. Sam Bayer, diretor do vídeo da música “Whake me Up when september ends”, prepondera que tudo esse assunto musical em específico é sobre juventude, sonhos e vínculos quebrados. A infância e a juventude – seja de Billie ou outros(as) –, no manifesto axiomático do sentido ou ausência de sentido de um fim. Pense em algo que derrubaria lágrimas: a muitos, tornar-se-á estilhaço e marcha pela sobrevivência.

Billie resiste. E, talvez, tenha sido naquele específico setembro que a arte regurgitou o poder da solidão culminado com a perda.

Como fazer de um setembro o desmembro da aniquilação de nossas almas?

E se setembro acabar? Billie perde o pai assim como tantos perdem – em guerras, lutas ou mesmo no penumbro escombro de violências. Ele sabe que muitos desprezam o presente até que ele se torna passado – mas sabe que o presente vai se tornar passado. É como um desejo de acordar sabendo que outros tantos não acordaram, não acordarão e tardarão até o advir de todos os fins.

Em ensaio especial para a edição norte-americana “The Altlantic”, o escritor e jornalista Jeffrey Goldberg assevera que o “assistido” na manhã de 11 de setembro de 2011 foi o mal – aquele que nossos imaginários não precisam de gatilhos porque atingem proporções dantescas. Em 11 de setembro de 2001 uma nação desfalece aos ataques nas torres gêmeas do World Trade Center e Pentágono, nos Estados Unidos. A tragédia sem proporções. De Sartre a assertiva: o inferno somos nós mesmos. Porque nossos pares transformaram a tragédia em realidade.

É 11 de setembro e milhares de seres humanos partem em nome de argumentos autoritários pré-inscritos numa espécie de teologia onde o intelecto torna-se um absurdo e rasteja; seres incapazes de tornarem a preservação da vida uma constância. Homens morrem em guerras. Filhos perdem pais. Homens massacram mulheres, idosos e crianças. É setembro. Naquela manhã de 11 de setembro de 2001, independentemente de sua opinião política – a despeito, insignificante caso pense que pessoas foram assassinadas deliberadamente –, o resultado de ações e convicções é assunto para setembro, novembro e dezembro. Para cada rasteja de nossos membros, porque os instintos mais primitivos tomam compostura enquanto terroristas encontram execráveis artífices “teologia da restauração” religiosa – um sonho de compor o Islã em supremacia global.

Um sonho do radicalismo. A supremacia que escraviza através da morte nossas existências.

Um sonho absurdo de vinganças cujo sangue humano não deve ser refém.

Setembro.

Não entendo muito bem como nossas convicções, sejam elas certas ou errôneas, ulceradas em argumentos Aristotélicos, Morais e Teológicos encontram, no século XXI, toda e qualquer justificativa para com ideologias tirânicas e medievais. Talvez estejamos a dialogar sobre algo mais profundo na psique; algo que ampara o imperativo de encontrar na “morte” do outro certo caminho de insanidade para a liberdade.

Então você se lembra de Billie. Na desgraça de caminhar rumo à glória e à liberdade com nossos corpos presos a nossos próprios corpos. Os objetivos declarados da Al Qaeda e outras organizações encobrem o fato inelutável de que a pretensa “glória” eclode em assassinato. Em dores.

Quando a dor dignificar a vida, quando insurgir dor em outro(a), é momento propicio para sair de cena e ressignificar a existência. Porque a sobrevivência, em 11 de setembro de 2011, não se restringiu a 111 corpos soterrados e vidas perdidas. A matemática da perda é irreversível independentemente. O ano iria acabar com uma matemática de proporções homéricas.

Pense: quantos “Billies” – reais ou imaginários – compreendem esse esforço desesperado pela sobrevivência? Seríamos capazes de compreender essa mesma labuta civilizacional em padrões éticos, filosóficos e sociológicos? Sabendo-se que a repetição é hodierna, talvez não. E talvez tenhamos que falar sobre tal e escrever sobre tal para que nossas vozes não se apaguem.

E é setembro.

Em setembro deveríamos restaurar conceitos. Sonhos. Percepções. Em todos os 30 dias de setembro insufle deixarmos nossos impulsos de lado caso desejemos a “glória” e arrimos patéticos de diplomacia insipida e Lei de Talião e a insólita pela fragilidade da alma. Porque você não sabe o grau de desespero psicológico de um ser humano vítima de uma violência. É como o vento. Podemos sentir, nunca tocar. Sentimos. Nunca o tocamos.

 Você não tem como saber o grau de desesperança e angústia de um filho a desejar que o pai ou mãe estejam vivos enquanto a Babilônia é atingida e desmorona. Aquele que luta e exaspera-se para resgatar e já não respira a existência. Apenas as cinzas. O pó do cimento.

Encontraremos futuros(as) órfãos desprendidos daqueles que amam e amaram. Almas destroçadas por aqueles que ainda poderiam amar. Por aqueles que amam.

Pense em setembro.

Pense na história.

Pergunte-se: o que seríamos sem essa mesma história?

Em 11 de setembro de 1944, nos interstícios da Segunda Guerra Mundial, os Aliados Ocidentais da Alemanha invadem – nas cercanias da cidade de Aachenn. A matança em nome do poder. O poder regido pela matança.

Em setembro de 2007, a Rússia inova a tecnologia, “desaprende” ou quer aprender a se precaver de setembros – apelida a bomba termobárica “Отец всех бомб” – Pai de todas as bombas. Cria um relógio de destruição não nuclear. O equipamento mais poderoso em simbologia científica. Indagar: quantos 111 dias de destruição na totalidade de 360 dias nossas vidas devemos lembrar e relembrar para valorizar, de modo mísero, a vida? Quantas bombas invadirão nossas mentes em nome do “Pai”?

Resulta a barbárie como regra, nunca exceção.

Resulta em um número. Resulta um tal de 11 de setembro histórico e mnêmico.  

Pense no Pai e pensar em Deus, Pátria e Família e no Golpe Militar Chileno de 1973, momento em que Salvador Allende, então chefe do exectuvi país pelas vias democráticas, é destituído e subtraído – ou subtraiu a própria existência por meio do suicídio, fato histórico que nada ou ninguém soluciona.

Então, volte ao Billie.

Pense em setembro.

Billie, o vocalista da banda Green Day, naquela trágica ocasião infantil, quando sua mãe batia na porta, pediu: “me desperte quando setembro acabar’”.

A criança vive a dor. O adulto vive e a suporta. Ou Finge. A vítima? Reabilita um duelo ético onde não pode sacralizar datas e fatos, tornando-os imperativos do luto e revolta. Hoje, adulto, Billie é refém – e sempre o será – da amargura disso que chamamos de perdas de setembros. Desde 11 de setembro. O tempo a mostrar que setembro não se eterniza em uma perda. A existência é a arte de uma dor, a dor daquela criança que não pode e não deve fechar a porta e tão somente esperar 111 dias antes da Ação de uma Bomba Papai, porque pais não sobrevivem à barbárie, senão quando a causam; porque, para essa criança, a perda ocorreu em setembros de nossos crescimentos e muitos de nós seremos incapazes de mudar a direção do vento; e Billie teve audácia ao dizer que somos aptos ao controle do veleiro.

É setembro. Observe. Relembre. Recorde. Elabore. Reconcilie.

No fim, ninguém baterá em sua porta antes de setembro acabar.

As cóleras de um mundo hostil, o violentar e o desselar. O remanso repouso das almas e da pacificidade de outros exatos 11 meses. Inobstante setembro.

ANA CAROLINA SEFFRIN é tradutora e mestra em direito público pela UNISINOS/RS

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