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25 anos do Plano Real

por Mauro Gaglietti

Sig, O Rato, está cada vez mais doido com o que acontece no Brasil. A experiência monetária brasileira, por exemplo, entre 1933-2013, talvez não tenha paralelo no mundo, seja pelo difícil relacionamento de nossa moeda com as de outros países, pelo tumultuado processo de constituição de um banco central com plenas funções ou ainda pela longa, intensa e complexa convivência com a inflação. Tudo é exagerado nesse trajeto, em que o Brasil teve oito padrões monetários, cinco congelamentos, confiscos pequenos e grandes, crises sem limite, euforias idem e batalhas épicas para ordenar a moeda nacional, evitar abusos fiscais e financeiros bem como para estabilizar o seu poder de compra. Sig, O Rato, lembra, ainda, que na década de 1990 quando a altíssima inflação nos deu a oportunidade de fazer uma grande onda de reformas, e nós aproveitamos. Assim, salta o questionamento acerca do que fazer no Brasil 25 anos depois do Plano Real? Muitos dos segmentos que se opuseram ao Plano Real à época, agora se posicionam, novamente, contra as reformas voltadas ao crescimento econômico que assegure, ao mesmo tempo, amplo desenvolvimento social. Sem o Plano Real o Brasil, por exemplo, não teria dinheiro para a implementação das Políticas Públicas inclusivas nos governos seguintes. Dá para dizer que o Plano Real já tinha cumprido seu papel em 1998, com 1,6% de inflação anuais a menor leitura do IPCA –  [( Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo ) calculado a partir do custo de vida para famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos residentes em nove regiões metropolitanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba, além dos municípios de Goiânia e Brasília] –  desde que o índice é feito partindo de uma inflação de 45% ao mês (equivalentes a 8.500% ao ano). Sig, O Rato, considera um gol de placa essa mudança comandada pelo economista Gustavo Franco há 25 anos! Tudo ocorreu, sobretudo, após a mudança para o “tripé” (câmbio flutuante, metas de inflação e superavit primário). Durante esse quarto de século, o País teve dois dígitos de inflação por brevíssimos períodos, em 1999 até a passagem ao primeiro governo Lula (governou entre 2003 e 2006 e de 2007 até 2011), quando o câmbio chegou a R$ 4,00. O Brasil fez o melhor – em 1998 e 1999 – que se podia fazer em condições que não eram as ideais. Escolhas foram feitas sob condições de incerteza e o Brasil colecionou bons resultados apesar das condições precárias na política fiscal. Contemporaneamente, a inflação está sob controle. Estamos com inflação baixa, juros no menor patamar da história e alto estoque de reservas. Então qual é o obstáculo que precisa ser superado? Resposta: há uma pedra no caminho que é o aspecto fiscal. As novas instituições têm funcionado muito bem nos momentos difíceis, temos uma moeda digna, está faltando aos governantes concentrarem-se no crescimento econômico e no desenvolvimento social do Brasil. Por que, mesmo com a estabilidade da economia, com a previsibilidade trazida pelo real, o Brasil não consegue crescer? Possivelmente o  maior desafio é retomar o crescimento na medida em que sem isso, o País não terá como reduzir suas grandes desigualdades sociais. A questão é quais são as reformas que podem tornar o Brasil um espaço temporal de crescimento material e que resgate a esperança subjetiva da população? Essas agendas são indistinguíveis no começo, quando há senso de urgência quanto ao que é necessário para findar com a inflação. Num segundo momento, quando a inflação já está sob relativo controle, começa a complacência, e vão se organizando as resistências às reformas. É como se as aflições e dores causadas pela inflação fossem esquecidas (será que é a memória curta?). E se não há a percepção subjetiva do sofrimento e urgência, as reformas vão sendo deixadas de lado e os políticos concentram-se somente em sua própria reeleição. O que o Brasil conseguiu por intermédio do Plano Real, foi que, a despeito das oposições ao plano e das resistências, que não foram poucas, os brasileiros(as) conheceram um outro tempo sem altas taxas de inflação. (Sig, O Rato, vivenciou a experiência dos produtos no mercado trocarem de preço – para cima – três vezes no mesmo dia….). O sucesso na economia falou por si, e trouxe a opinião pública para apoiar a agenda de medidas e de reformas que podem ser associadas à estabilização. É lamentável que o consenso tenha durado pouco tempo. Em alguns anos, as resistências políticas às reformas foram desgastando a agenda e paralisando os progressos. É da natureza de qualquer reforma que o benefício seja muito diluído, entre milhões de pessoas, e o custo seja localizado em uma minoria de privilegiados. A minoria perdedora é muito organizada, sabe fazer barulho e se articula rapidamente com seus amigos na imprensa (hora de uma Lava Toga, Lava Imprensa, Lava Bancos, Lava Esportes…), e a maioria, apática. Por isso, é difícil a estabilização, a privatização, a abertura, a reforma da Previdência, a implantação do Imposto Único (Marcos Cintra tem uma bela proposta), reforma política e reforma eleitoral. São 25 anos em que alguns segmentos políticos tentam essas agendas modernizadoras, e elas acontecem com lentidão exasperante, distanciando o Brasil dos demais países que já perceberam o que é preciso adotar prioritariamente em termos de pauta econômica e política para deixar de sacrificar o elo mais frágil da sociedade. A etapa agora é o crescimento, que é um desafio que tem uma natureza diferente, porque ele se compõe de uma agenda muito ampla de reformas. Todas elas apontando nessa direção de fazer o Brasil um país mais empreendedor. É uma agenda mais diversificada que ainda precisa ser mais bem articulada. Falta, talvez, um amplo programa, um grupo de bom senso que lidere, que mobilize a população. Isso costuma acontecer mais naturalmente durante as crises, por isso, se diz que não se pode desperdiçar uma crise, não é isso? Mas crescimento é essencial. Quando o país está estagnado, as políticas sociais têm um limite, pois não podem se tornar um jogo de soma negativa. Por isso que se diz que a melhor política social é um país que cresce. Não se trata de reduzir o impacto e a utilidade de políticas corretivas para os setores mais vulneráveis da sociedade, porém, a ênfase na distribuição da renda tem sido, nos últimos anos, utilizada para combater a agenda de reformas e deteriorar o ambiente de negócios. Isso está errado. Em outros termos, isso era muito claro à época da inflação alta, quando não havia freios nas contas fiscais. O conceito era simples: tudo pelo social. Ou seja, se temos necessidades sociais, fabrique-se dinheiro para fazer políticas sociais, ainda que se crie inflação com essas ações. Com isso, a fabricação de papel pintado faz acelerar a inflação, a qual, por sua, vez, funciona como uma espécie de tributação sobre o pobre (o famoso imposto inflacionário). E, assim, tributa-se o pobre por intermédio da inflação para fazer política social para os mesmos pobres que você estava tributando. É uma insanidade. Com Dilma Rousseff era parecido, só que com a dívida pública. Com aumento da dívida pública, puxando os juros para cima, tributa o conjunto da sociedade (sobretudo as gerações futuras) para gerar recursos para devolver, agora, à sociedade. É outra insanidade: um conflito distributivo entre gerações. Era uma insanidade na época da inflação, como foi uma insanidade feita por Dilma. Num caso você produziu inflação e, no outro, a maior recessão da história do Brasil. Então, o que fazer? Tudo começa com a recuperação da saúde fiscal do país, o que não deveria ser muito difícil, já que, durante um longo período, de 1998, quando Fernando Henrique fez o acordo com o FMI, até os idos de 2011, no governo Lula, o país teve superavits primários na faixa de 3% do PIB. Precisamos também modernizar a economia por meio de uma “agenda micro”, hoje bem codificada em rankings internacionais, como o de facilidade de fazer negócios. Anos atrás, o Brasil aprendeu sobre como funcionam os “selos de qualidade” para boas finanças públicas, e sobre como funcionam para elevar o perfil internacional do País. A agenda a seguir seria muito favorável para o empreendedor e para melhor estabelecer no Brasil uma economia de mercado por inteiro, e não pela metade como temos hoje. Não é uma agenda que todos os partidos gostam: os de esquerda parecem entender que as empresas existem para explorar trabalhadores, e não para criar empregos e oportunidades. Segue-se daí que o Estado deve intervir, por exemplo, para “proteger” os trabalhadores e, por isso, existem mecanismos como a Justiça do Trabalho, que funciona para destruir incentivos de criação de empregos e para fomentar o conflito. A reforma trabalhista tem muito para caminhar. Bem como a reforma tributária, pois também enfrenta o dogma segundo o qual as empresas existem para sonegar e não para criar empregos e prosperidade. É como se o Brasil não fosse destinado a ser uma economia de mercado, e, assim, vivemos numa crise de identidade que nos paralisa. Sig, O Rato, tem dificuldade de entender essa lógica. No caso, Sig, pergunta: O Brasil não taxa dividendos, oferece subsídios e perdões de dívidas milionárias. É no trabalhador que deve se fazer o ajuste? A reforma trabalhista não gerou emprego…Se o Brasil fosse taxar dividendos, teria que reduzir a carga sobre o faturamento e  sobre o lucro das empresas, não dá para taxar as duas bases, pois a carga já é alta. Fizemos um começo de início de princípio de uma reforma trabalhista que, na verdade, foi mais uma reforma sindical, que terminou com o chamado “imposto sindical”. Mexeu-se pouco nas leis trabalhistas, e com efeitos interessantes e com muita clareza na quantidade de ações. Mas falta muito. Falta fazer valer a ideia de que o negociado prevalece sobre o que diz a lei (sobre o legislado), abrindo um amplo campo de negociações, conciliações e mediações, deixando de tratar o trabalhador como hipossuficiente. Falta recompor a relação capital-trabalho em uma chave colaborativa, e não de conflito ou paternalismo. Falta desonerar a folha e reduzir a lacuna entre o que o trabalhador leva para casa e o que custa para a empresa. Falta reduzir muito, mas muito mesmo, o poder e o tamanho (ou seja, o orçamento) da Justiça do Trabalho. Onde o atraso está localizado politicamente falando? Na sede da FIESP? Parece que sim! Vejamos:  O nosso sistema associativo patronal também é uma criatura do imposto sindical e da Era Vargas, e sua índole é corporativista. Foi-se o imposto sindical, inclusive do lado patronal, mas ainda restaram as contribuições ao Sistema S, que oneram diretamente as folhas de pagamento de todas as empresas para criar recursos administrados por entidades como a Fiesp e outras federações locais e as confederações nacionais. É uma estrutura enorme, que não precisa ser financiada pela sociedade desse jeito, via tributação do salário, e nesse montante. Sig, O Rato, aprendeu nessas cinco décadas mais recentes que não existe solução mágica. O setor público precisa fazer uma escolha política difícil: manter o status quo ou cortar transferências para faixas de renda não relacionadas à pobreza. Reduzir barreiras ao empreendimento, por exempolo, teria um impacto de 5% no crescimento. Nesta reforma entrariam, por exemplo, o corte de custos administrativos e a aceleração no processo de emissão de licenças, entre elas as ambientais. O Brasil está hoje no 123º lugar entre 190 países no ranking Doing Business do Banco Mundial, que mede a facilidade para fazer negócios. Além disso, os economistas já deixaram o tema de casa para o Brasil fazer: a) reduzir as barreiras para facilitar empreender; b) diminuir as barreiras comerciais; c) desenvolver o mercado financeiro; d) preparar o Brasil e o Mercosul para o livre comércio com a União Europeia; e) ajuste fiscal rigoroso; f) aperfeiçoar a eficácia e a gestão governamental; g) reduzir drasticamente a corrupção. Quem concorda com essa linha de desenvolvimento, ajuda a efetivar na prática esse novo Brasil que está sendo puxado pelo cordão umbilical há tempos. As dúvidas que governam essa história continuam muito vivas. Como se estivéssemos aprisionados há décadas em um mesmo enredo, sempre às vésperas de uma fórmula ideal que parece estar logo ali, mas nunca chega – uma linda e necessária ponte cuja construção talvez jamais se encerre…..Durma com um barulho desses!! Bom dia, boa semana e até breve!!

MAURO GAGLIETTI é professor universitário, mediador de conflitos e doutor em história pela PUC/RS

Bibliografia

BAER, M. O rumo perdido: a crise fiscal e financeira do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

BRESSER PEREIRA, L. C. Macroeconomia da estagnação.São Paulo: Editora 34, 2007.

FRANCO, Gustavo. “Inércia e coordenação: pactos, congelamentos e seus problemas”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 19 (1), 1989.  

FRANCO, Gustavo. “Alternativas de estabilização: gradualismo, dolarização e populismo”. Revista de Economia Política, 13, 2, abril-junho, 1993. 

FRANCO, Gustavo. O Plano Real e outros ensaios, 2aedição, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1995. 

FRANCO, Gustavo. O desafio brasileiro. São Paulo, Editora 34, 1999.

FRANCO, Gustavo. A moeda e a lei. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

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