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Reformas para quem?

por Luiz Eduardo Cani

Em 9 de agosto de 2019, o jornal Estadão publicou entrevista com o economista-chefe do Itaú Unibanco sobre a reforma previdenciária e sobre a prometida reforma tributária. O título da entrevista foi “‘Reforma ficou melhor que a encomenda’, avalia economista”.

Esse trecho da fala do entrevistado, destacada no título, chama a atenção porque, apesar de parecer intencional, foi pinçada de uma resposta mais ampla, quase como se tivesse escapado da boca do entrevistado, como se vê a seguir:

Acha que o texto da reforma da Previdência será mantido?

“A reforma não deve sofrer diluição adicional. É bastante expressiva, pois, considerando o que foi aprovado na Câmara e a MP antifraude do INSS, é algo perto de R$ 1 trilhão. Acreditamos que o Senado não tomará iniciativas que coloquem em risco a sua aprovação de forma tempestiva. Até outubro devemos ter a reforma promulgada. O que inferimos de conversas com membros da classe política é que a questão de Estados e municípios avançará, mesmo como PEC paralela que sairá do Senado.”

Qual sua expectativa para a reforma tributária?

“É um tema mais complexo. A começar porque há várias propostas na mesa. O noticiário mostra que o governo quer promover reunião com vários estudiosos e proponentes para afunilar e convergir a uma proposta única para, aí sim, avançar. Vamos observar como isso vai ocorrer. Outra coisa é que lidar com o pacto federativo é uma questão sempre complicada no Brasil. Se a reforma da Previdência acabou ficando melhor do que a encomenda [sem negrito no original], a tributária corre grande risco de acabar sendo menos ambiciosa do que algumas das propostas sugerem. Mas, para além disso, a MP da liberdade econômica – que está para ser aprovada na Câmara – é muito importante, uma vez que facilita bem a vida das empresas” [1].”

Contextualizada a resposta, provavelmente estejamos diante de um ato-falho, no sentido freudiano do termo. Recentemente, Rômulo de Andrade Moreira trabalhou o ato falho em um interessante texto aqui na Revista do Caos Filosófico. Dentre outras coisas, destacou o caso do presidente do parlamento austríaco que, ao iniciar a sessão, declarou-a encerrada. Freud, ao estudar esse caso, reconheceu que o presidente não esperava nada da sessão e, por isso, ficaria feliz se pudesse encerrá-la imediatamente[2].

Em outras palavras, o que fez o economista-chefe do Itaú foi, provavelmente, um ato confessional falho. Pretendendo dizer que a reforma tributária seria menos expressiva que a reforma previdenciária, acabou por confessar o que todos sempre souberam: que os bancos encomendaram a reforma da previdência. Além disso, deixou claro que os congressistas brasileiros foram além das expectativas dos bancos.

Portanto, o lucro será maior que a expectativa, de modo que, de fato, “ficou melhor que a encomenda”! Isso pode indicar que os congressistas brasileiros exigirão uma retribuição ainda maior. Resta saber qual.

LUIZ EDUARDO CANI é advogado e doutorando em Ciências Criminais pela PUC/RS


[1] CAVALCANTI, Simone. ‘Reforma ficou melhor que a encomenda’, avalia economista. Estadão, 08 ago. 2019. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,reforma-ficou-melhor-que-a-encomenda-diz-economista,70002960012>.

[2] MOREIRA, Rômulo de Andrade. Você é seu ato-falho. Revista do Caos Filosófico, Balneário Camboriú, 28 jul. 2019. Disponível em: <https://caosfilosofico.com/2019/07/28/voce-e-seu-ato-falho>.

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