por Claudia de Marchi

Eu sou a prova viva do poder da desconstrução de conceitos na vida de uma mulher. No caso, de uma mulher do interior do Rio Grande do Sul, mimada em casa e educada em boas escolas. Minha mãe casou-se virgem e eu queria o mesmo até meus 19, quase 20 anos de idade, mudei de ideia, claro, porém antes de me casar, em 2009, tive pouquíssimos parceiros.
Não muito diferente foi a minha “vida sexual” até 2016, quando me tornei acompanhante de luxo. Enfim, para mim, o que distingue as mulheres dos homens não são meramente os hormônios, mas a criação, a educação, aquilo que, há milênios, vêm sendo incrustrado em nossas mentes e que, portanto, nos escraviza: o machismo. Ele atrofia os homens emocionalmente e castra a liberdade das mulheres obterem plenamente o prazer do sexo.
Nós temos desejos e nossos órgãos, nosso corpo e nossa libido não são conectados ao nosso coração: a gente pode fazer sexo por mera vontade de fazer sexo! A gente pode ter só vontade de ter uns orgasmos sem precisar de “eu te amo”, romance e relacionamento sério! A gente pode “usar” o corpo masculino para o nosso prazer, dizer “tchau”, tomar banho e dormir sozinha e feliz, sim senhores! Fazer sexo é um ato natural, querer transar, também é! Existe sexo com amor e existe sexo por prazer, mas não há necessidade alguma do romance para enfeitar o que costuma ser bom quando feito com desejo: a boa e velha foda!
Outra ideia a ser superada é a de que casamentos se consubstanciam, basicamente, no companheirismo. Não que ele não seja um de seus pilares, ocorre que há necessidade de haver tesão e paixão ou então haverá infidelidade e, neste caso, ou o casal “abre” o relacionamento e cada um vai procurar prazer sexual onde quiser ou sim, ocorrerão mentiras e omissões: as mães dos “casamentos felizes” desde que o mundo é mundo: marido iludido, esposa iludida, jantar em família, foto no Instagram e “vida que segue” (calcada na hipocrisia).
Sabem por que eu me sustento como acompanhante de luxo? Graças a estes conceitos hipócritas de que casamento é amizade, parceria, cumplicidade e que sexo “não é tudo” numa relação. De fato, não é, mas “nada” é tudo num relacionamento.
Porém, olvidar de que sexo bom e quente é sumamente importante na sincronia de uma relação realmente feliz, transparente, equilibrada e saudável só serve para que se propague o machismo institucionalizado: os homens saciam-se “fora de casa” e as esposas seguem orgulhosas com suas famílias “perfeitas” e “parceiros” exemplares. Isso, claro, quando não resolvem lhes ser infiéis também, mas manter o casamento em nome das “aparências”.
Em uma sociedade em que muitos casamentos sustentam-se unicamente com base no interesse financeiro, em que pais educam “suas meninas” para casar-se com homens poderosos e abonados, fico desapontada ao ver prostitutas (de qualquer nicho e nível) sentindo vergonha de seu ofício. Ora, com a ascensão do fascismo no país, grupos misóginos e racistas estão “saindo do armário”, mas as “putas” não saem, porque sofrem com o menosprezo até das feministas que insistem em colocá-las no vil papel de “vítimas” da sociedade e dos homens.
“Vítimas”?! Quase todas as pessoas são, só que do maior cafetão de todos os tempos: o capitalismo. Neste momento, em quase todos os lugares do mundo pessoas despendem sua mão de obra em trabalhos que não lhes dão prazer algum, apenas porque precisam pagar suas contas e se manter. Na maioria das casas a “depressão dominical” bate ao fim da tarde, porque as pessoas sentem a ansiedade de, no dia seguinte, voltar ao local em que trabalham só pelo dinheiro, para ter a grana do happy hour e férias.
Sobre a figura do “homem algoz” e do ato sexual da prostituta tratar-se de um “estupro pago” – como as feministas radicais que praticam de pouca a nenhuma empatia com as profissionais do sexo costumam dizer,- vejo uma, dentre tantas, ilogicidades: o homem “serve” para ser marido, namorado, companheiro, pai, mas quando paga pela hora na companhia de alguém, ele é o “explorador“, o “abusador” que está “pagando” pelo consentimento da mulher.
O “provedor do lar” da sociedade patriarcal nunca “pagou” pelo consentimento da esposa?! Mas, o cara que procura uma acompanhante, que pode, sim, recusá-lo, é negativamente julgado e colocado num “gueto” pelas preconceituosas medíocres e hipócritas.
Enfim, com a desconstrução que a vida me impôs e eu me impus perante as variáveis que enfrentei ao longo dos anos, tornei-me feminista e, como tal, posso afirmar que o feminismo verdadeiro não quer impor coisa alguma e veio para unir, não para segregar. E, para tanto, precisa chegar à mulher negra, na moradora da periferia pobre, nas mulheres trans e, claro, nas prostitutas menos letradas.
A mulher feminista pode ser bela, recatada, do lar, do bar, da depravação, defensora da “moral e dos bons costumes”, ratazana de igreja, ateia, graduada, analfabeta, caça-dotes, caça-pênis, solteira convicta, casada em prol do marido, pode se colocar atrás, ao lado ou até embaixo do macho se quiser!
Feminismo é empoderamento para ser livre, para ser e viver sem precisar de regras ou normas ditadas por quem prega moral de cueca! Portanto, está passando da hora das feministas pararem de generalizar as acompanhantes de luxo, garotas de programa e prostitutas como sendo “vítimas dos homens” ou do machismo!
As únicas vítimas são as de exploração sexual, as que se colocam em mãos de proxenetas exploradores e, claro, as/os menores de idade (exploradas (os) sexualmente, enfim). Chega de o feminismo erguer a bandeira de que as mulheres não são menos dignas, porque transam com quem e quando querem, mas agirem com preconceito diante das que colocam preço na hora da sua companhia! Pois, frise-se bem: corpos não se vendem! Há, meramente, uma precificação do tempo, não do sexo. A hora é “alugada”, o corpo não é “vendido”!
Enfim, feminismo excludente não serve para coisa alguma! É mais um discurso hipócrita, preconceituoso e classista. Deixo aqui uma frase que ouvi no 16º episódio da 4ª temporada de Criminal Minds: “A prostituta não é como as feministas dizem, uma vitima dos homens, mas sim a sua conquistadora. Uma fora da lei, que controla os canais do sexo entre natureza e cultura.” Em que pese não sejamos, no Brasil, “foras da lei”, a autora da frase, Camille Paglia, tem plena razão em sua afirmativa. Desde que a prostituta seja inteligente é ela quem “comanda” a relação e ainda lucra, podendo, como eu sempre disse, “gerenciar riscos” para evitar inconvenientes.
Camille é uma feminista crítica às formas de feminismo que chama de “puritano” e “stalinista“. O que existe em demasia nos tempos modernos! Enfim, a gente é livre até para “precificar” a nossa hora. “Ah, mas eu não vejo feminismo nisso, Cláudia!”. Tá bom, você está no seu direito e eu no meu ao não “ver” feminismo em usar meu tempo com homem sem receber por isso: meu corpo, minhas regras, meu feminismo, meus ditames! Aceitem e engulam esse preconceito limitado travestido de “preocupação” com a vida das prostitutas.
Cláudia
de Marchi[1]
[1] Cláudia de Marchi é natural de Passo Fundo/RS, advogada inscrita na OAB/RS desde 2005, Especialista em Direito Constitucional, autora dos livros “Contra a maré: minha vida em crônicas e crônicas da vida” (2017) e “De encontros sexuais a crônicas: o diário de uma advogada e acompanhante de luxo feminista” (2018).
A escritora que reside em Brasília/DF desde 2016, tornou-se nacional e internacionalmente conhecida por ter abandonado a carreira de professora universitária e o mundo jurídico para tornar-se uma acompanhante de luxo “diferenciada”: desde o princípio a autora dispôs-se a selecionar e escolher com quem se relaciona intimamente, podendo, assim, vivenciar a sua sexualidade da forma que lhe apraz e, também, dedicar-se às suas leituras, escrita e a tudo que lhe dá real prazer, distanciando-se do machismo do universo jurídico e de toda a hipocrisia da sociedade brasileira, sempre tão elegantemente hipócrita e indiscretamente decadente, afinal o hight society sempre esteve down.
Mais sobre a autora no site http://www.claudiademarchi.com.br.
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