por Ariela Bento

Na manhã que escrevi este texto, acordei antes do sol. Ainda escuro abri as cortinas da sala e vi alguns fios de luz ensaiando a sua dança. Mais alguns minutos e o tom rosa se abriu e começou a se fundir com o laranja, até o sol começar a dar as caras. Foi uma viagem psicodélica natural, que alimentou minha alma para começar o dia de barriga cheia e preparada para as notícias do nosso governo e país que nos sugam por dentro e causam um gosto amargo na boca.
Pois bem, logo depois decidi que nos próximos parágrafos falaria sobre a necessidade humana de “viagens” frequentes. Ainda mais para quem trabalha com criatividade. Viver só o dia, os horários e os compromissos da agenda é pouco. Há uma vontade de transcender, escapar, encontrar o sentido geral da vida. Tanto é que a palavra “propósito” virou moda.
Michael Pollan, autor de sete livros e personagem principal da incrível série Cooked, disponível no Netflix, depois de pesquisar sobre comida de verdade, começou a viajar em alimentos para outras partes da nossa consciência. Em seu último livro, “Como Mudar a sua Mente”, o jornalista se propôs a investigar de que modo o LSD poderia ser utilizado para fins médicos, como em casos de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. E ao longo das pesquisas notou também que essas substancias seriam capazes de melhorar a vida de pessoas saudáveis.
“Cada um de nós cria atalhos para acomodar as experiências do cotidiano, processá-las e resolver problemas, e, embora isso sem dúvida seja uma vantagem adaptativa, no fim das contas se torna um hábito. É algo que nos entorpece, nossos músculos de atenção atrofiam”, diz Michael. Segundo o autor, o LSD restaura uma abordagem infantil, e cria uma sensação de espanto na nossa experiência com a realidade, como se estivéssemos vendo tudo pela primeira vez. Você lembra da primeira vez que comeu a sua comida favorita? Imagine retomar esses sentidos, como se todos aqueles sabores fossem novos mais uma vez.
Muitos mitos e fake news sobre o LSD circulam por aí. Ele foi descoberto nos anos 1940, e pesquisadores, cientistas e médicos acreditavam que a sociedade se preparava para uma iminente revolução no campo da psicologia. Mas vieram os medos, a repressão ao movimento da contracultura e todas as pesquisas foram suspensa e a substância tornada ilegal.
Mas a boa notícia é que recentemente uma nova geração de cientistas retomou as pesquisas e as possibilidades de tornar viagens acompanhadas e bem dosadas em tratamentos surpreendentes para as doenças como o transtorno de ansiedade. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, quse 10% dos brasileiros têm algum transtorno de ansiedade e a depressão afeta 5,8% da população. Ou seja, tem alguma coisa muito errada.
E se as pessoas tiverem a possibilidade de alimentar sua consciência de novas comidas e perspectivas? E se essa não for a única, nem necessariamente a melhor forma de viver a vida? Segundo o livro, a premissa da pesquisa com compostos psicodélicos é que esse grupo especial de moléculas pode nos dar acesso a outras formas de consciência capazes de nos oferecer benefícios específicos, sejam terapêuticos, espirituais ou específicos. Enquanto os resultados não chegam até nós, buscar algumas viagens ao nosso alcance já satisfazem um pouco a nossa fome de vida e sentido.
Ariela Bento
Jornalista e divorciada da rotina. Faço contorcionismo com palavras e gosto de conhecer a vida pela boca.
Instagram: @arielafoiafeira
e-mail: arieladiniz@gmail.com
Categorias:Sem categoria