por Monique Bonomini

Desde que ganhou o prêmio Leya, em 2018, e foi publicado no Brasil pela editora Todavia, em 2019, Torto Arado de Itamar Vieira Junior causou grande impacto no público leitor e tornou-se um fenômeno.
A história, que se passa no interior da Bahia onde comunidades rurais trabalham em grandes fazendas em troca de moradia precária, coloca a questão agrária no Brasil como conflito central da trama. Os personagens são o das gerações de descendentes de escravos que, mesmo após a abolição, continuaram a viver cativos, agora da necessidade de moradia e de terra para o cultivo de subsistência.
O livro fala de um Brasil invisível, sem espaço, voz ou rosto nos veículos de comunicação tradicionais e na sua própria história. Um Brasil onde o “em se plantando tudo dá” é um fato feito de terra, calos, sofrimento e suor. O bendito e sofrido Brasil preto, caboclo, sincrético, campesino, das modas de viola de Tião Carreiro cantadas por Pena Branca e Xavantinho.
Na nossa literatura, o direito à terra e à dignidade de quem trabalha nela não são temas novos, ainda que poucos trabalhos tenham a mesma profundidade que Torto Arado. Entre todos, o Quarup de Antonio Callado e O quinze de Rachel de Queiroz, merecem ser lembrados.
A denúncia que o livro faz da escravidão não é só ficcional. Isso porque a escravidão estampa diariamente o portal da ONG Repórter Brasil que, desde 2001, é uma das mais principais fontes de informação sobre trabalho escravo no país.
Então, o que mais poderia ser dito sobre Torto Arado, que tantos já não disseram? Terra e escravidão foram colocadas em outro plano para que fosse possível refletir sobre quem vive esta luta.
Na última semana, viralizou em algumas redes um vídeo de crianças com o inominável presidente. Durante o encontro um aluno disse a ele que sua mãe estava reclamando que o governo era ruim e uma outra aluna, muito valente, recusou-se a cumprimentá-lo.
Também recente, foi a publicação do caderno de leitura 137, editado pela Edições Chão da Feira, trazendo a tradução da Carta das zapatistas às mulheres que lutam no mundo.
Salta aos olhos que, seja na realidade, seja na ficção, se há uma coisa que se repete é a força da mulher.
No livro de Itamar Vieira Junior, elas não só narram o enredo como dão alicerce para a história, seja a forte matriarca Donana, seja a companheira Salu, seja a corajosa Bibiana, seja a ousada Belonísia intervindo por Maria Cabocla, seja a encantada Santa Rita Pescadeira, que decide combater o sofrimento.
A ficha catalográfica ressalva em termos gerais que “embora inspirado na vida real a obra trata-se de ficção”. Já num dos trechos mais pungentes da Carta das zapatistas, está dito: “às mulheres que lutam, saibam que seguiremos ainda que reste somente uma de nós.” O que fica evidente, seja nas vitais personagens de Torto Arado, nas mães de alunos, em meninas valentes ou nas ativistas, é que o mundo precisa cada vez mais da força das mulheres!
MONIQUE BONOMINI é formada em Direito e História, e é autora do livro Vida de Escritor (Lura Editorial, 2021)
Categorias:ARTIGOS
Belo texto, Monique! Parabéns! Estejamos juntas na luta!
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Torto Arado nos prova como precisamos da literatura, da ficção, da arte de fabular com maestria, como faz Itamar Vieira Júnior, para que possamos digerir a realidade. O noticiário não nos toca mais. Estamos anestesiados com tanto sofrimento, números, estatísticas, luta por poder e luta de narrativas. Uma guerra travada em esferas altiplanas e que ignora completamente o que mais interessa: as pessoas.
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