por Paulo Ferrareze Filho

O corpo de um negacionista também fala. E é por isso que Pazzuelo, o general de 10 estrelas que fica atrás da mesa com o cu na mão, quis cumprimentar Randolfe na CPI da Covid estentendo a mão como fazíamos em tempos normais. Será que o soquinho dos prudentes é coisa de maricas no exército e no gabinete do ódio?
Se você ainda acha que isso é só um detalhe e que as costas da mão também transmitem o vírus, é sinal de que não conscientizou a dimensão de um verdadeiro drama. Além de estar com a capacidade de metabolizar metáforas entupida.
Fora a fome, a indignidade, o mau caratismo e o ódio reinantes, é você perder para sempre quem gosta, convive e ama sem poder dizer adeus. Se a relação entre estas coisas não lhe sensibiliza (omissão/negação/falta de exemplos/despreparo & mortes), sinceramente, você é ou idiota (aquele que circunda em si mesmo como um inseto em volta da lâmpada), ou perverso, ou um teimoso que não seria tolerado nem pela própria teimosia, se ela um dia pudesse ser viva.
Bolsonaro representou a corporificação de um movimento social de negacionismo radical que diz foda-se à lei, à história, à ciência, à OMS, ao racismo etc. Na psicanálise, sustentar esse foda-se é uma postura própria dos perversos, esses a quem chamamos de psicopatas no senso comum. Por isso, não é exagero dizer que essa ideologia é a expressão de uma patologia do social que está corporificada em Bolsonaro.
De inconsciente há o fato de que o personalismo suplanta a socialidade. O bolsonarista fundamental é essencialmente um sujeito que não percebe o quanto despreza o fato de que vive em conjunto, com outros humanos, especialmente com aqueles que julga diferentes dele mesmo.

Por isso pede armas, ainda que inconscientize o fato de que mortes, globalmente consideradas, aumentam com uma população mais armada. Por isso diz que não há racismo nem dívida com os negros, argumentando que nunca chibatou um negro e desprezando nosso histórico de escravidão renitente. Por isso pede liberdade – só econômica, claro –, desprezando dados, gráficos, teorias e teses que sustentam que, enquanto coletividade, nos fodemos até o cu fazer bico na medida em que damos liberdade para os leviatãs do mercado. Por isso pede punição aos maus, desprezando a ciência criminal que já sabe de trás pra frente que o punitivismo é a resposta mais burra que podemos dar ao problema da criminalidade. Por isso ri, mesmo que com o canto da boca, quando Bolsonaro chama prudentes em relação à covid de maricas ou quando sugere que mulheres se separam entre estupráveis ou não estupráveis. Ameniza-se a piada que caçoa o feminino e seus derivados porque se inconscientiza (ou nem tanto…) o machismo estrutural.
A foto de FHC e Lula é histórica porque é a representação encarnada da democracia brasileira, conquistada com sangue, tortura e morte da brava gente que nos precedeu. Essa democracia estampada na foto de FHC e Lula é a melhor que produzimos até aqui, pois é capaz de dialogar, de não bater o telefone na cara, de não odiar, de ouvir o outro mesmo diante da divergência. Como ainda não inventamos caminho melhor, essa democracia deve ser sempre louvada, protegida e realizada. E um dos princípios básicos dela deve ser o de nunca, mas nunca mesmo, dar poder para psicopatas. Sempre é possível que uma pandemia mundial apareça pelo caminho.
PAULO FERRAREZE FILHO é professor (UNIAVAN), pesquisador (USP) e psicanalista em formação
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