ARTIGOS

Juliana Paes e a política da morte

por Juan Manuel Domínguez

Arte de Vitor T.

Recentemente, a atriz Juliana Paes publicou um vídeo no qual se declara uma artista neutra, sem lado político. Mas será que isso é possível em tempos em que de um lado da brecha se prega a violência, a exclusão, a ignorância e a morte? 

A política não passa de uma sensibilidade, e é por isso que mesmo com toda a informação à sua disposição, tem pessoas que não mudam seu posicionamento político, ou seja, não mudam sua sensibilidade.

Será que não tomar lado em uma disputa que opõe vida e economia é ser mesmo insensível? 

Lendas urbanas da guerra civil espanhola e da segunda guerra mundial podem nos ensinar a entender quão pouco complexa é a política quando os lados têm sensibilidades tão claras. Elas nos ensinam também o que fazer sob regimes de violência e morte.

Em 1937, como parte da ajuda de Hitler ao conservador Francisco Franco para derrotar o Governo Republicano durante a Guerra Civil Espanhola, a temível equipe de aviação alemã chamada “Lutwaffe” bombardeou várias cidades espanholas.

Conta a lenda urbana que em uma cidade do País Basco, houve uma bomba que atingiu a terra, mas nunca explodiu.  A bomba foi embutida no meio da praça central da pequena cidade.  Os moradores surpresos e assustados não ousaram movê-la, muito menos desarmá-la.  Lá permaneceu por anos durante o governo de Franco como um símbolo de  morte, do poder do regime e do castigo de quem se revelou.

Um dia de primavera, pela manhã, Julen se cansou dos detalhes da paisagem que arruinava a praça, procurou por ferramentas e decidiu desmontar e remover o dispositivo.  Nas primeiras horas trabalhou sozinho, ao meio-dia já contava com a ajuda dos amigos. (Porque se há algo pelo que morrer, que seja com os amigos) No meio da tarde, todas as pessoas da cidade já estavam na praça, na expectativa e colaborando como podiam.

Ao anoitecer, eles a desarmaram, entraram em uma carroça e decidiram que iam levá-la para a cidade vizinha, onde ficava a sede municipal da região. Mas o interessante da história foi o que encontraram dentro da ponta da bomba.  Lá, junto com cabos e pedaços de metal, encontraram um papel manuscrito que continha apenas algumas palavras.  Achavam que poderia indicar o local onde foi feito, seus componentes ou algumas instruções de uso, mas mesmo assim despertou a curiosidade das pessoas.

Claramente não estava em basco, espanhol ou inglês. Aparentemente era alemão.  Na aldeia, só havia uma pessoa que conseguia decifrar a escrita: Mirentxu, que quando menina, por causa do trabalho do pai, havia passado alguns anos em Hamburgo. Ela foi solicitada e assumiu o papel.  Demorou não mais de meio minuto para ordenar as palavras e a gramática na sua jovem mente. Finalmente, para cortar o suspense, disse olhando para todos os seus vizinhos (que ao mesmo tempo a olhavam em silêncio): “No papel está escrito o seguinte: Saudações de um operário alemão que não mata  inocentes”.

Ninguém saiu da praça nas horas seguintes. Eles discutiram, conjecturaram e interpretaram o manuscrito de mil maneiras.

Por fim, antes da meia-noite, o povo decidiu por unanimidade que a bomba não iria embora, até mesmo voltaria ao seu lugar. A partir daquele momento, a bomba na praça passou a simbolizar a resistência, o fim do medo e o poder de um povo com consciência de classe.  Tudo isso como um presente de um trabalhador alemão que, em meio à ditadura nazista, arriscou a pele e deixou claro que nem o medo nem o regime seriam capazes de torná-lo um monstro a mais. 

Histórias como essa da pequena cidade dentro do país basco nos ensinam algo bem simples: sob regimes de violência e de morte não existe neutralidade, se você faz parte de um regime de morte, você o sabota desde dentro. Não se trata de bandeiras políticas, se trata de empatia com os outros, de leituras sobre o lugar dos outros. Lembre bem disso: se você faz parte de um regime de morte, sabote-o de dentro, que a história irá lhe retribuir com o melhor prêmio reservado a um ser humano: a imortalidade junto aos que lutaram do lado certo da história.

JUAN MANUEL DOMÍNGUEZ é militante, professor, escritor, jornalista, roteirista, produtor e diretor de cinema. É também fotógrafo de documentários que fazem a defesa dos direitos humanos

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