por Claudia de Marchi

Todos, em qualquer lugar do mundo, têm opiniões sobre a atividade das prostitutas independente de quem elas sejam, de onde e como atuem, e das razões que justificam sua escolha pela prostituição como forma de sustento.
Inclusive, as feministas e muitos radicais de esquerda são os primeiros a criticá-las ainda que se valham de uma voz afável, quase paternalista, porque, a seu ver, as profissionais do sexo são coitadas que precisam de proteção e de “outras opções” de trabalho como se elas fossem marginais na sociedade, como se nunca tivessem possuído outras oportunidades na vida.
Existem algumas feministas radicais, inclusive, que ignoram completamente a voz das prostitutas. Ouví-las? Por que se o melhor é jogar sobre elas e suas escolhas o seu calhamaço de preconceitos, pudores e medos? “Estão sujeitas a violência”, alegam muitas. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, 90% dos feminicídios foram cometidos pelos companheiros ou ex-companheiros de suas vítimas. O amor também não é um “lugar” seguro para as mulheres brasileiras.
Não estou dizendo que ser prostituta é seguro. Estou dizendo que não existe um local seguro, afetiva ou profissionalmente, para as mulheres. Quando não violam nosso corpo e vida, violam nosso equilíbrio psicológico, nossa tranquilidade. É o capitalismo e seus efeitos, caras mulheres!
Em 2016, após eu ficar conhecida no Brasil e fora dele com a minha opção de pausar minha carreira na advocacia e no magistério para tornar-me acompanhante de luxo em Brasília, um cliente de esquerda que circulava com pessoas politicamente importantes me disse que eu era a musa de muitos, mas que “homens de esquerda não se habilitam a procurar uma acompanhante, porque isso subentende exploração do corpo da mulher”.
Disse-lhe, apenas, que tal forma de pensar é insana, especialmente quando direcionada a mim, uma mulher, na época com 34 anos, que decidiu ser acompanhante de luxo pelo seu prazer e descanso, por revolta contra o patriarcado, não por necessidade, para sustentar vícios ou algo do tipo. Uma mulher que sempre dispensou, pessoal ou virtualmente, quem não lhe agradava, ora bolas!
Uma acompanhante de luxo que sempre cobrou acima da média, inclusive. De um ponto de vista grotesco e tacanho pode-se dizer que quem explorava alguém era eu aos homens, não eles a mim.
Pois bem, da galera que eu esperava respeito, de regra ele nunca veio. E como respeito eu falo em individualização: em ser vista como um indivíduo, em ser ouvida como mulher dona da sua vida e opiniões, uma cidadã, não um número, uma estatística ou “mais uma”, como se todas fossemos iguais.
Da maioria do povo de esquerda que, como eu, se opuseram ao golpe de 2016, pouco exercício de bom senso eu vi. E, ao contrário de muitos, no que tange a opiniões políticas eu sempre dei a cara a tapa em entrevistas, no meu blog e site. Em redes sociais, inclusive. Já perdi 6 contas no Instagram com milhares de seguidores graças a denúncias estapafúrdias, haja vista que o que mais faço é criticar os fascistas que ascenderam ao poder.
Sempre deixei claro que a frase “meu corpo, minhas regras” se aplica às prostitutas que são livres para fazerem o que desejam com seus corpos, tempo e vida.
Lembro-me das ameaças de morte que sofri entre 2016 e 2018!
Foram muitas.
Apenas uma virou questão policial, as demais eu ignorei, afinal uma mulher que morava num prédio com câmeras de segurança e porteiro 24 horas, tinha a mãe consigo, malhava em casa e não saia quase nunca é alguém realmente difícil de matar.
Como descobrir meu endereço?
Meu bloco, meu apartamento?
Como prever quando eu sairia se eu não tinha rotina definida fora de casa?
Entrar no prédio?
Matar o porteiro e ser filmado por câmeras?
Sempre me pareceu algo muito burro até para um hater que não conjugava verbo com sujeito.
Bem, esse “dar a cara a tapas” é algo que sempre me incomodou no que tange a omissão das prostitutas em imporem-se, em mostrarem seus rostos e nomes sem a hipocrisia abjeta do “fazer eu faço, mas tenho vergonha de assumir”. Quase o mesmo raciocínio da maioria dos políticos corruptos: lesam os cofres públicos sem pudor ou vergonha, mas se vexam quando descobertos.
Vocês já viram alguém conquistar direitos e respeito sem sair do armário ou do gueto?
Certamente não.
A sociedade conservadora estaria espancando negros em praça pública e os gays não poderiam sequer casar-se se eles não tivessem ido à luta. Fora outros inúmeros exemplos.
As prostitutas?
Raríssimas defendem seus direitos.
Algumas nem sabem que possuem.
Colocam-se na internet em vídeos exibicionistas e usam seus corpos para atrair qualquer tipo de homem como se fossem um pedaço de carne dependurada num açougue na manhã de domingo. Algumas só mostram o corpo, nada além dele.
Não se esforçam para estudar, para ler, para aprenderem a se impor e impor limites.
A dizer não, enfim!
Nada mais empoderador nesse ramo do que dizer não!
Não apenas neste ramo: saber dizer não é libertador para todos e em todos os aspectos.
Muitas moças, por imaturidade, ignorância ou medo não sabem que podem recusar clientes.
Às vezes até penso que a maioria nem quer saber.
Pode ser pelos vícios que lhes “amortece”, pelo desejo desesperado de ajudar a família, pelo simples exibicionismo exacerbado ou mera vontade de lucrar fazendo algo que, até quando é ruim, costuma ser bom.
Há também as que são consumidas pela ganância, como em qualquer outro ramo profissional.
Numa entrevista para a Folha de São Paulo a jornalista me perguntou se eu não pensava em ser porta voz das mulheres da área. Pedi-lhe para não falar a respeito na matéria e, em off, lhe disse que eu jamais desejaria ser porta voz de quem age de forma avessa a minha.
Daquelas que justificam o preconceito que eu mesma sinto na pele.
Como se não fôssemos ninguém.
Como se, e aqui até concordo com as feministas radicais, o sexo pago fosse um estupro sucedido de pagamento: “Venha quem vier, faça o que fizer, use meu corpo a seu bel-prazer e vá embora deixando meu dinheiro!”
Eu impus um modo de agir peculiar que poucos compreendem e a maioria sequer tenta compreender, afinal grande parte dos bípedes é formada por idiotas que creem que o mundo é o seu umbigo.
Quiçá eu não esteja só, mas naquela época minha voz era praticamente solitária.
Ou eu me sentia só defendendo atitudes mais empoderadas por parte das prostitutas em geral.
Graças ao meu posicionamento ouvi gente tentando compreender minha forma de agir enquanto acompanhante usando as mais tolas analogias. Vi, inclusive, mulheres que se dizem feministas caindo num discurso totalmente reacionário quanto a minha seletividade.
Aliás, se tem algo que essas mulheres não entendem sou eu e as que pensam como eu; eu e as outras que não tem meu modus operandi, mas que estão na internet, (incluindo as camgirls, pois o que fazem é uma espécie de sexo virtual pago, ou seja, são profissionais do sexo via rede); eu e as que estão nas esquinas da vida, em casas de prostituição baratas ou nas mais requintadas, se expondo e dando suas cavidades para qualquer um que lhes pague, porque elas querem, porque elas gostam!
Porque não querem ter um emprego ruim que lhes paga uma mixaria.
Porque não querem estar em outro lugar!
Se eu acho tais forma de agir criticável?
Sim, eu acho.
Porém elas discordam!
Elas gostam, elas se divertem!
Feministas, minhas companheiras anotem: as prostitutas tem arbítrio, as mulheres da prostituição virtual (camgirls) também têm!
Estamos em 2021.
Crianças exploradas sexualmente não tem arbítrio. Mulheres trans e travestis de classes pobres seguidamente se prostituem por não serem facilmente admitidas no mercado de trabalho têm seu arbítrio diminuído ou anulado, já que muitas são expulsas de casa sem condições de manterem-se sozinhas. É lamentável, mas a exceção destes exemplos e quiçá de mais alguns que me fugiram da memória neste momento, o fato é que, especialmente nas regiões menos carentes do Brasil, a maioria que se prostitui o faz porque quer, ainda que você despreze as suas razões ou ache-as tristes.
Sim, elas poderiam trabalhar fazendo faxina, o que você chama de “trabalho digno”, a questão é uma: por que você acha indigno o que as prostitutas fazem? Primeiramente, não é ilícito. Ilícito é o proxenetismo, é a atividade de quem explora a prostituição. Ser prostituta não é crime, não prejudica ninguém.
“Ah, mas elas transam com homens casados!”. Como se só prostitutas o fizessem! Como se elas estivessem obrigando um marido fiel e leal a transar com elas. Não há nada de indigno na prostituição. Indigna é a pobreza de muitas mulheres e famílias neste país, indecente é a miséria, a desigualdade social, a fome. Abjeta é a violência que as mulheres sofrem graças ao machismo e misoginia gritantes neste mundo torto. Vergonhoso é o seu preconceito e a sua projeção que, sabemos, a Psicanálise explica.
É o capitalismo, minha amiga! O nosso maior cafetão desde que o mundo é mundo.
Pergunta para uma prostituta que tenha um nicho de clientes mais abonados se ela gostaria de estar no seu lugar, trabalhando 8 horas por dia, estudando mais 3 para ganhar 5 mil por mês, talvez menos.
Vai lá e pergunta, ouça a mulher, tente praticar a empatia e tirar das costas dela as suas opiniões e o seu preconceito.
Parem de vitimizar as prostitutas, porque nem todas são vítimas!
Nem aquelas que eu mesma crítico são vítimas de nada e ninguém tem o direito de ter pena delas. Eu já senti certa raiva, mas nunca piedade. Quando recebo mensagens de homens vulgares e toscos, ainda sinto raiva delas, porque eles estão acostumados com uma maioria que não se valoriza nem se impõe. E para mim, raiva é menos abjeta e mais digna do que “peninha”. Não desejo nem para quem me odeia que seja objeto de dó alheio.
Bem, eu exercitei a prostituição selecionando clientes e dizendo mais não do que sim. E ainda assim já me senti vítima de tentativas de silenciamento: “Ah, mas como assim recusar clientes, é o mesmo de eu, na minha empresa e loja, não querer vender para fulano sem nenhuma razão judicialmente aceitável!”, ouvi certa vez.
What?
Será que as pessoas não percebem que corpos não são coisas?
Que sequer nossas leis socorrem as profissionais do sexo?
Ora, não tem “juridicamente” aqui, meu bem!
Tem uma mulher e um homem, ele disposto a pagar o que ela pede e ela que pode ou não se agradar do corpo dele, do beijo dele, do cheiro dele.
Que pode lhe dizer “desculpa, não vai rolar”.
Sexo é algo íntimo, nosso tempo e corpos são de valores inestimáveis, o que cada uma precifica é a sua hora com um homem, não o seu corpo, ao contrário do que muitas prostitutas e pessoas em geral pensem.
Se a mulher não se agradar do parceiro e der sequência ao encontro é provável que ocorra aquilo que as radfem dizem: “estupro mediante remuneração”.
Todavia, isso para mim isso é triste e deprimente, para muitas não é. Elas querem o dinheiro nem que tenham que ficar mais de 48 horas na frente de um notebook se expondo para estranhos ou transar com uns 10 homens num dia!
Logo, a questão é uma só: ouça as prostitutas.
“Dates” ruins até você, patricinha das patricinhas, já teve. Quiçá teve até relacionamento abusivo!
Logo, você não tem o mínimo direito de fazer analogia torta e de despersonificar mulheres só porque elas fazem algo que você não faria, que lhe parece impensável ou coisa parecida.
O que retratei também me soa triste, mas quem sou eu na ordem da vida e das escolhas alheias, não é?! Não sou ninguém, assim como você que opina sobre minha vida sem saber nada a meu respeito.
Então, mantenha a boquinha fechada, não coloque todas as acompanhantes de luxo ou prostitutas simplórias no mesmo balaio e contenha sua ânsia por opinar sobre realidades, vidas e sexualidade diferentes da sua.
A apedrejada Geni, do grandioso Chico Buarque, preferia os errantes, os cegos, os retirantes, as loucas, os miseráveis, os lazarentos, os moleques e os velhinhos sem saúde em detrimento de um comandante vistoso e poderoso!
Cada pessoa no mundo é única, com suas idiossincrasias, fetiches, anseios e ambições: o que parece abjeto para uma, dá prazer para outra.
Primeiro ouça cada uma das prostitutas, identifique seu nicho e continue ouvindo.
Só opine se ela lhe pedir opinião, porque qualquer uma delas é tão gente quanto você.
E elas estão opinando sobre sua empresa, loja, escritório, carreira ou consultório?
Estão discutindo a sua profissão?
Não!
Então, cale-se e siga adiante.
Eu e todas as demais agradecemos.
Não silenciem as poucas prostitutas que saem do gueto da vergonha e do pudor de cara limpa já que a maioria delas está silenciada anunciando em sites onde só exibem seus corpos, com vergonha de mostrar seus rostos graças ao preconceito de uma sociedade tacanha que parabeniza a mulher que, mesmo sem amor, casa-se com um homem rico, mas não admite a que, de forma livre e independente, faz sexo e lucra com isso.
CLÁUDIA DE MARCHI é escritora, advogada e acompanhante de luxo
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