ARTIGOS

Por que ler Pondé?

por Marcio Sales Saraiva

Por que ler um “intelectual liberal de centro-direita” se você é de esquerda?

Bem, o debate sobre o significado de esquerda e direita é velho. Não quero entrar aqui nesse quiproquó. Adotando a premissa desta pergunta, eu diria que não existe inteligência que não dialogue com a diversidade. Se alguém se acha inteligentinho pra cacete, mas só lê livros de autores “engajados” e “de esquerda”, perdoe-me, mas é um idiota.

Lembro-me de quando eu era responsável pela Escola de Formação Política da Fundação Ulysses Guimarães. Centenas de alunas e alunos. 99% de esquerda. Adoravam esculhambar com o “neoliberalismo” até que um dia perguntei: Quem aqui conhece Adam Smith, Hayek, Friedman ou Mises? Qual é a diferença entra a Escola Austríaca e a Escola de Chicago?

Houve silêncio. Eu entrei duro. É fácil lançar pedras no neoliberalismo e fazer “lacração”, mas, antes disso, é necessário ler os defensores do neoliberalismo para que você possa fazer uma crítica razoável e interna, desconstruindo seus argumentos com argumentos melhores.

A turma gostou disso e estudamos “A caminho da servidão” (1945), clássico de F. A. Hayek, um dos pais do novo liberalismo. Depois eles me deram um exemplar de presente com a assinatura deles. Amei. Guardo na minha estante com muito carinho e saudade.

Este preâmbulo é para dizer que gosto do pernambucano Luiz Felipe Pondé, filho de pai católico e militar e de mãe judia. E gosto não porque ele é liberal ou “de direita”, mas porque ele tem alguns autores preferenciais que também me inspiram.

Gosto porque ele pensa, mesmo quando eu discordo radicalmente de posições políticas defendidas por este “pop star”. Pondé faz uma breve história marginal da filosofia a partir de um recorte pessoal, destacando aquilo que ele tem como referência. É aqui que eu me identifico. Sua proximidade com o ceticismo antigo e o pensamento trágico, seu respeito pelos estoicos, seu gosto por Pascal e Montaigne, sua desconfiança romântica da Razão – Schopenhauer é necessário! –, o elogio do materialismo de Marx e sua admiração por Freud.

No mais, não tenho sintonia com Pondé. Ele ama Nietzsche e Camus, o darwinismo e as explicações sociobiológicas. Não me encantam. E também não sou amante de Nelson Rodrigues, pelo menos, não no nível em que Pondé o ama. E mesmo concordando que a realidade da vida é trágica, não me inspira a visão radicalmente antimetafísica do mundo, tal como Pondé defende.

Esclarecido isso, recomendo a leitura de “Como aprendi a pensar: os filósofos que me formaram” (Planeta, 2019). É, no mínimo, muito interessante acompanhar o percurso intelectual do Pondé, gostando ou não dele. Além disso, convenhamos, ele sabe seduzir, escreve bem, tem bom humor.

Precisamos disso para fazer um bom debate de ideias.

MARCIO SALES SARAIVA é mestre em serviço social (UERJ), professor e escritor.

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