por Tales Ab’Sáber

Em campo Maradona foi comparável a Pelé. Para os argentinos, evidentemente maior. Fora dele, Pelé era imensamente incomparável a ele.
O amor por Pelé na cultura não deixa de ser o amor pela melhor mercadoria. Seu valor de face ultrapassa as tantas encrencas tristes em que ele costuma estar implicado, sem nunca saber de nada.
Pelé, o jogador hiper consciente, é inconsciente do Édson, que ele insiste não ser a mesma pessoa. O amor por Maradona é o amor pelo melhor homem. Maradona é Maradona é Maradona, sempre e em todo lugar.
Seu sonho de gênio do futebol era o sonho de qualquer menino com uma bola em qualquer terreiro da América Latina: beleza e inteligência, criação e liberdade. Maradona se desvencilhava dos travos do jogo, e da realidade, claramente para a liberdade. Suas vitórias eram uma conquista da vida, e por isso nos diziam respeito de modo tão especial.
Pelé foi um verdadeiro e muito poderoso guerreiro, não há dúvida quanto a isso. Mortal para os adversários, máquina da bola, que podia tudo e inventou mais de uma vez o próprio jogo. O único Aquiles que de fato conhecemos. Seu ponto fraco foi ele mesmo.
Maradona foi um artista maior, irônico, um mestre do melodrama moderno, um menino pobre sempre vencendo todo o mundo, um encantador de serpentes, de circo, que ele desmistificava, abrindo os caminhos após se enroscar com elas, que gostava de exibir a própria luta. Ele desempenhava seu espetáculo como um grande personagem, da ópera do futebol e da vida. Da rua aos campos como palcos do mundo. Mundo que era, de fato, contra quem ele jogava: do terreno baldio da periferia de Buenos Aires à revolução mundial. Seu defeito era a própria vida.
Ao contrário da fera Pelé, que lutava contra todos e dominava a bola como um gênio inventor da força, Maradona a arredondava e acalmava, a fazia correr ligeira e se elevar mágica, como se ela fosse uma extensão continua dele próprio, do próprio desejo.
Pelé, com seus gols angulosos, atritosos, picassianos e agonísticos, espantosamente bonitos, vencia a nossa incredulidade. Maradona nos encantava e, quando estávamos hipnotizados, nos levava até o seu sonho. Para tantos que sonharam com ele, muito para além de Pelé.
Valeu pibe, e obrigado hermanos.
TALES AB`SÁBER é psicanalista, escritor, professor, doutor em psicanálise (USP) e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
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