por Márcia Letícia Gomes

Durante a pandemia, como professora, o trabalho ocupou muitas de minhas horas. No entanto, aqueles momentos em que estaria com amigos, fora de casa, ouvindo boa música ou dançando, hoje são dedicados aos livros e aos filmes.
Dentre os livros, três enredos me sugaram. Três autoras. Três mulheres de diferentes partes do mundo que, com seus livros, construíram histórias notáveis: a norte-americana Sylvia Plath com seu único romance A redoma de vidro; a nigeriana Ayomi Adebayo com a obra Fica comigo; e a brasileira Aline Bei com seu premiado romance de estreia O peso do pássaro morto.
A redoma de vidro me conta deste peso que parece sutil, mas rouba todas as alegrias que poderiam resultar de eventuais conquistas – o peso do desajustamento, do não poder ser em determinados espaços e a única possibilidade de fuga dessa sensação nas tentativas de suicídio, caminho também trilhado pela autora do romance algum tempo depois; Fica comigo conta das performances esperadas das mulheres como mães, esposas, da necessidade da chancela de um homem: pai, marido, pastor numa sequência de eventos tristíssimos a ponto de nos fazer pensar “não é possível que tudo isso aconteça a esta mulher?” – não só é possível como acontece todos os dias com tantas mulheres fora das páginas dos livros. O peso do pássaro morto conta do peso de ser mulher nas mais diferentes etapas e vivenciando situações diversas, violências diversas, é um livro que remexe e fica após a leitura nos dizendo coisas, talvez coisas que não queiramos ouvir, que não damos atenção no apressado dos dias, nas listas de tarefas rotineiras, mas que consomem nossa leveza, nossa alegria.
Li todas essas mulheres com admiração, com paixão e com dor. Uma inquietação me perseguia: por que tão tristes? Um refúgio seria o cinema e busquei no Festival de Cinema Varilux os filmes dirigidos por mulheres: assisti a todos. E ali encontrei Um amor impossível (2018) dirigido por Christine Angot sobre este nunca poder ser mediado por diferenças sociais; Inocência roubada (2018) de Andréa Bescond que relata os abusos sofridos pela protagonista na infância e todos os traumas disso resultantes, as interdições que afastam e tentam minimizar o poder de reação, a denúncia já na idade adulta, mais uma vez a culpa e, representando uma espécie de virada Lulu nua e crua (2013) dirigido por Solveig Anspach o filme é como um respirar e também como um inspirar – Lulu rejeita uma vida medíocre e simplesmente não volta pra casa naquele dia – a simplicidade do enredo e a potência que alcança é algo que fica no espectador.
As mulheres escrevemos textos tão tristes, construímos personagens que dividem seu espaço todos os dias com a culpa, como Yejide protagonista do romance de Adebayo porque sentir esta culpa em todos os momentos é algo que nos foi ensinado, que visitou todas as gerações de que temos notícia e que, por mais que lutemos, deixou seu rastro em todas nós. Na orelha do livro de Aline Bei já temos um prenúncio em forma de questão: “Quantas perdas cabem na vida de uma mulher?” Escrevemos textos tão tristes, produzimos narrativas fílmicas tão profundas porque vivenciamos todas inúmeras perdas. Nossas narrativas andam em busca de preencher esses silêncios em forma de revolta ou de melancolia, por vezes de ação, talvez de cura, sem dúvida de inspiração.
MÁRCIA LETÍCIA GOMES é professora universitária, tem mestrado em Letras (UNIR) e doutorado em Letras (FURG)
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Que texto mais inspirador.
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