por Larissa Zucco e Paulo Silas Filho

A máxima, assim dita pelo médico Drauzio Varella, que diz que se os homens parissem, o aborto seria legalizado há muito tempo, e no mundo todo, reproduz uma daquelas verdades inadmitidas pela maioria, que reside nos recônditos da hipocrisia humana. Obnubilados por e em seu próprio universo falocêntrico, a ingenuidade, a ignorância ou até mesmo a má-fé impede que as problemáticas que resultam de um pensar reproduzido pelo machismo estrutural sejam observadas, evidenciadas, debatidas, tratadas e superadas.
Desde os primórdios da humanidade o homem segue com seu pensamento típico da imagem do homem das cavernas, pensar esse que a todos cerca cotidianamente de forma velada e também de forma explícita. Até mesmo no imaginário ficcional uma estrutura que segue sempre a mesma lógica pode ser observada: em várias histórias, contos de fadas e fantasias românticas a mulher é quase que, obrigatoriamente, aquela que espera por um príncipe encantado, com riquezas, poder, reconhecimento e status, ainda que não o definindo dessa forma, ou ainda quando se desenrola a partir de mudanças significativas de si para “caber” no mundo do outro.
A caricatura do imaginário sobre o homem das cavernas, forte, bruto, dominador, que garantia o sustento da tribo e era considerado o pilar de sustentação da casa, parece ainda existir nos dias de hoje, ainda que dentro dos padrões ditos civilizatórios, em lares onde não se sabe se há o amor ou dominação.
A supervalorização do homem – que, apesar de evoluir durante os séculos, manteve-se amorfo na imagem do senhor todo poderoso cujas palavras serão ditas e ouvidas o tempo todo e em todo lugar – é um sempre presente e constante conflito para o avanço de uma sociedade que se pretenda de fato igualitária e desenvolvida com diferentes percepções e estruturas.
O espaço da mulher na sociedade sempre foi fortemente rotulado como alguém que deveria ser biologicamente capaz de reproduzir e propagar a espécie (passivamente), religiosamente zeladora da fidelidade, dedicada e submissa ao parceiro, resguardada para o tão sonhado casamento, socialmente mãe cuidadora, esposa dedicada e mulher respeitada pelo seu histórico de “santidade”.
Diante da cenário minimamente exposto, há os que não se sentem confortável e há os que consideram um estrutural normal. O problema que nisso reside talvez possa ser vislumbrado mediante o questionamento sobre a influência de uma normalidade imperativa que acaba sendo engolida, estando-se ou não ciente disso, de maneira concomitante com o próprio desenvolvimento da sociedade que também se produz a partir disso
A cultura exerce um papel fundamental em todas as sociedades, sendo através dessa ideia que são adquiridos e transmitidos os costumes, crenças e valores condizentes com aquilo a sociedade inserida numa espécie de cultura local espera. Por isso, quando confrontados com uma realidade atípica a qual se está acostumado, há o desconforto ou estranhamento frente ao episódio.
Por mais que assim seja, fato curioso é que independentemente do onde ou do quando há um algo que sempre se repete – estando ausente qualquer forma estranheza: a superioridade do homem perante as mulheres. A dominação masculina parece ser um fenômeno presente em toda e qualquer sociedade.
Talvez uma das formas mais gritantes da referida dominação seja aquela em que há o subjulgar da mulher através do estupro. Diferentemente dos reducionismos a que muitos são levados sobre a compreensão do problema como forma de lidar com a questão, propugnando medidas que violam o pouco espaço efetivamente civilizatório que arduamente se conquistou no que tange aos direitos humanos, a sempre aposta na justiça penal é algo que há tempos tem se demonstrado como uma grande ilusão. Punir por punir, inobstante seus efeitos deletérios, pouco ou nada contribuem para que seja possível avançar na compreensão da problemática. É preciso pensar e ir além do revanchismo, estabelecendo uma análise holística em que inserido está o machismo estrutural do qual padece a sociedade.
Os lampejos desse machismo que permeia as relações humanas, presente não apenas nos homens, mas também nas próprias mulheres, que vem sendo abordado por Paulo Ferrareze Filho como espécie de psicopatologia social que assola o Brasil, tornam-se visíveis a partir de situações bastante comuns do cotidiano: atribuição da culpa à vítima quando violentada (“mas ela também provocou”; “ninguém mandou sair com uma roupa dessas”; “se estivesse na igreja, isso não teria acontecido”…), ausência de um efetivo amparo social em situações de violência (físico, psicológico, emocional…), foco na figura da vítima apenas quando para minimizar o ato do agressor (veja-se o recente caso do aborto realizado numa criança que havia sido por anos estuprada por um familiar: o enfoque se deu no aborto, relegando-se assim a violência concreta que deu ensejo ao necessário procedimento médico legal), entre tantas outras.
O que se tem observado, portanto, é que a mulher ganha destaque nessas situações apenas quando isso resulta em efeitos ultrajantes para si, servindo também como efeito para ofuscar o verdadeiro problema causante aquilo que passa a ser exposto. Inverte-se a relação do acontecido para que a dominação aqui evidenciada permaneça exercendo sua influência. Ao invés de se confrontar o agressor ou os fatores que melhor explicam situações como essas, confronta-se a vítima.
Daí que o imaginário popular, no âmbito do patriarcado, confunde-se inclusive com levantes sociais como o feminismo, distorcendo as pretensões de equidade buscadas com os movimentos nesse sentido. Questiona-se assim se é possível cogitar ou imaginar um cenário social em que a super(auto)valorização do homem inexistisse no curso da história. Seria possível identificar o verdadeiro papel, atualmente negado, conferido à mulher?
Enquanto se busca arduamente propor e estabelecer um critério mínimo de igualdade, a dinâmica estrutural contemporânea segue em sua forma cínica de ser: ninguém confronta o estuprador, pois o estuprador é homem!
LARISSA ZUCCO é acadêmica de psicologia (UnC/SC)
PAULO SILAS FILHO é professor de Direito (UNINTER/PR e UnC/SC), advogado e mestre em Direito (UNINTER/PR)
Categorias:ARTIGOS
Adorei. A sociedade precisa e muito pensar sobre isso, abrir sua mente (principalmente as mulheres padecidas pelo machismo), precisa acordar, falar sobre isso. Precisamos mudar.
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Não diria pelo fato de ser homem, mas há um pragmatismo forte, um número maior de pessoas que se impõe detentora da Autoridade! Na época do patriarcado bem forte, inicio do Século XX, interior de SC mas que com o desenvolvimento do Estado, atualmente o local alcança a Região Metropolitana de Florianópolis, moravam meus bisavós com a prole! Na localidade, à época, o ensino ia até a então 4. série primária! Numa época em que o ensino era mais priorizado ao genero masculino! Minha bisavó orientava os filhos a repassar o conteudo que haviam aprendido para as irmãs deles! Quando chegou a hora do primeiro ingressar nas então séries ginasiais, minha bisavó, disse ao meu bisavô, que os estudos da prole teriam que continuar e então iriam para a Capital; ele quis dar uma opinião de cunho prevalecente, ela entendeu e “lembrou” que Não estava pedindo, mas informando decisão tomada! Quem imaginaria uma Mulher Decidindo por aquelas épocas! Feminismo era Utopia!
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