por Paulo Ferrareze Filho

Com o último livro de Rubens Casara (Bolsonaro: o mito e o sintoma, Ed. Contracorrente, 2020), consegui perceber que Bolsonaro encarna, como uma espécie de bezerro tinhoso da morte, todas as psicopatologias sociais que, até agora, nosso grupo de pesquisa conseguiu diagnosticar no Brasil.
Entre essas psicopatologias estão o machismo, o autoritarismo, o colonialismo, o racismo, a corrupção, o narcisismo, o neoliberalismo e o consumismo.
Os sintomas de todos esses fenômenos não só aparecem como estão inflacionados em Bolsonaro. Como se, de seu corpo, os sintomas ganhassem vida a partir de gestos, frases prontas, falas toscas e trejeitos odientos. Um corpo absolutamente consumido por uma metástase mortal de tudo que existe de pior no ar de nossos tempos.
Se o coronavírus nos forçou a olhar novamente para o coletivismo, voltar-se para uma dimensão supraindividual, também no campo das psicopatologias, é imperativo.
As análises sociais, coletivas e de massa, sempre acompanharam lateralmente a história da psicanálise. Livros célebres de Freud como Totem e Tabu, Psicologia das massas e Mal-estar na civilização comprovam que a psicanálise, desde o princípio, se ocupou com a relação entre o psiquismo e os fenômenos de massa. Freud afirma que “apenas raramente e sob certas condições excepcionais, a psicologia individual se acha em posição de desprezar as relações desse indivíduo com os outros […] a psicologia individual, nesse sentido ampliado mas inteiramente justificável das palavras é, ao mesmo tempo, também psicologia social.”
Na medida em que é possível reconhecer essa dimensão social do psiquismo, também é possível postular a existência de complexas psicopatologias que, uma vez instaladas, afetam, fazem vinco na subjetividade coletiva e geram, como tudo que é da ordem do patológico, algum grau de mal estar e de sofrimento psíquico.
Medir esse sofrimento e os sintomas que os montam, legitimar fontes de análise e checar matematicamente determinados aspectos e espectros, como faz a prática psiquiátrica a partir de sua vocação normatizadora (vide os DSM’s), são tarefas hercúleas, interseccionadas e intersseccionantes, e, por isso, altamente complexas.
Nesse emaranhado interseccional, perceber a recorrência, a notoriedade e a supremacia de determinados temas, nos mais diversos cenários dos debates públicos, pode auxiliar no diagnóstico das psicopatologias sociais, que podem ser mais ou menos antigas, mais ou menos duradouras, mais ou menos pontuais.
Manifestações de excesso ou de falta, como as que sobressaltam no Brasil sobre corrupção ou racismo, podem ser interpretadas como sinais de um engenhoso e histórico mecanismo social de repetição. As narrativas sobre esse fenômeno repetitivo, avaliadas com intenção de dar fala a quem esteja, de alguma forma, mobilizado a falar sobre o tema, podem dizer sobre os sofrimentos experimentados por uma determinada massa de pessoas em uma determinada cultura.
Com Safatle, afirmamos que sociedades são, fundamentalmente, circuitos de afetos . A importância de diagnosticar as psicopatologias sociais está no fato de que elas falam dos corpos psíquicos sociais a partir da capacidade que eles têm de mobilizar e de fazer circular ou impedir a circulação de afetos. O esforço de diagnosticar as psicopatologias sociais é um esforço para conhecer parte daquilo que constitui a subjetividade das massas de uma época, inclusive no que se refere ao seu conteúdo recalcado. A frase de Sigfried Kracauer é, nesse sentido, certeira: “o conteúdo fundamental de uma época e seus impulsos desprezados se iluminam reciprocamente”.
O livro de Casara concorda e confirma esse diagnóstico psicossocial na medida em que também despersonaliza a análise de Bolsonaro. O que faz, antes, é apontar como os fenômenos do entorno é que foram capazes de, a partir de um complexo de desequilíbrios, gestar e plasmar seu paroxismo na figura tosca e ridícula que é Bolsonaro.
Casara, ao bem apontar que o mercado neoliberal é o “principal regulador do mundo-da-vida e eixo orientador de todas as ações, inclusive as mais íntimas”, destaca como as psicopatologias sociais citadas no início desse texto enredam-se não só com o próprio neoliberalismo, mas também entre si.
Leitor de Wendy Brown (Nas Ruínas do Neoliberalismo), Casara observa que autoritarismo e neoliberalismo tem íntima relação na construção de Bolsonaro. Não apenas no que toca às novas formas de autoritarismo político, naquilo que Casara bem nomina de pós-democracia, mas também em razão de um autoritarismo religioso, que opera psicologicamente como efeito-manada do bolsonarismo. Por isso é que Bolsonaro, “um cristão que defende a tortura, foi apresentado por lideranças religiosas como um soldado (mal necessário) da luta do bem contra o mal.”
Também demonstra como um certo narcisismo patologizante foi estimulado por Bolsonaro na medida em que a promessa neoliberal é a de ilimitação e da ausência de obstáculos à satisfação pessoal.
Casara mostra também como o consumismo assume ares psicopatológicos na medida em que a razão neoliberal substituiu o sujeito crítico da tradição kantiana por um sujeito acrítico, hipnotizado pelo desejo do próximo objeto de consumo. Esse novo sujeito, por isso, torna-se não só um ignorante, já que subjetivamente pobre, mas um ignorante autorizado, na medida em que vê sua pobreza subjetiva espelhada no líder. Assim é que se opera no Brasil uma psicologia de massas bastante infantiloide, de repetição e de reprodução. Casara é certeiro quando diz que com Bolsonaro “perdeu-se a vergonha de ser ignorante”. O bolsonarista que ouve sandices como o elogio à tortura e as releva, é como a criança que fala e, por ser criança, não se responsabiliza pelo que fala. Daí a infantilidade.
Sobre o machismo, outra psicopatologia social encravada na cultura brasileira, Casara cumpre com a função social de não nos deixar esquecer de palavras icônicas de Bolsonaro que corroboram este diagnóstico, quando outrora afirmou que algumas mulheres mereciam ser estupradas, ou que era melhor ter um filho morto do que gay.
Também o racismo tem uma disposição de ser naturalizado com o discurso enunciado por Bolsonaro. No plano econômico, porque sua agenda neoliberal estimula desigualdades sociais na mesma medida em que mantém as distorções sociais históricas. No plano do discurso, o caráter performático da linguagem enunciada pela figura do líder é legitimadora de posturas racistas. Por isso Bolsonaro e Mourão desqualificaram índios como gordos e indolentes, pra ficar apenas nesse exemplo. Por isso também que se deu o fim da política de cotas nas universidades.
O colonialismo encarnado em Bolsonaro é facilmente comprovado a partir de provas estéticas. Uma propaganda oficial do governo feita apenas com pessoas brancas em um país de maioria negra mostrou como o eurocentrismo racista permanece enraizado no imaginário bolsonarista. Aparições frequentes de bandeiras de Israel e dos Estados Unidos também são sinais claros do colonialismo que se corporifica em Bolsonaro. Isso sem esquecer da postura vira-lata de Bolsonaro a ponto de dizer I love you a um crush que definitivamente não estava na dele…
A corrupção, que nem de longe é um vício que escolhe lado no Brasil, certamente é a maior prova da ignorância do rebanho de 30% que fez de Bolsonaro nosso presidente. Fato é que Palocci, o Paulo Guedes de Lula, é tão corrupto (econfesso), quanto à família miliciana de Bolsonaro. Casara demonstra o caráter pandêmico da corrupção no Brasil ao lembrar como Moro, paradoxalmente, corrompeu a lei (com aplausos de um monte de ignorantes) para combater a corrupção. Casara também lembra como a migração da democracia representativa pela economia permite o afrouxamento de limites éticos e jurídicos.
O Brasil realmente não é para amadores. Se descobrirem outras psicopatologias sociais, mandem cartas.
Brasil, ame-o ou beba sem moderação.
PAULO FERRAREZE FILHO realiza estágio de pós-doutorado em psicologia social (IP/USP), é doutor em filosofia do direito (UFSC), professor de psicologia jurídica (UniAvan) e psicanalista em formação.
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A esquerda ainda chora. Terás razão se até o final do mandato houver desvio de verba para outros países. Roubos e conluio com empreiteiras e empresários. Torça para o Brasil dar certo ,ou mude para um país comunista.
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Os mimizentos não aceitam o Mito, que, os faz chorar de ódio por serem anônimos, enquanto ele, até os bebês, buscam estar em seu colo, de tão humano que és. Quem és tu, anônimo com doutorado, para tecer falas ao vento, contra o jeito simples e natural de ser, do melhor Presidente que o país já teve, em toda a sua história política? Prefiro ser da “manada bolsonarista”, como enuncia em sua fala, a ser o inergúmeno, ofegante no próprio ódio do seu discurso mimizento dos jumentos letrados. Quanta tolice, recebendo atenção, por parte de formadores de opiniões!! Até quando?
Agora que entendi o porquê do “caos filosófico”! Tá explicado… Rsrsrsrs
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