por Laiela Santos –

A periferia, de novo, está em guerra. Uma nova guerra que tem o vencedor de sempre, a elite.
Estamos cansados de passar despercebidos.
Não somos animais.
Não temos anticorpos suficientes para nadar no esgoto.
Temos doenças, temos esgoto. E o nosso fede mais.
Passamos horas numa fila para curar as doenças que pegamos com o esgoto.
Mas somos invisíveis demais para que isso seja um problema para além de quem convive com os esgotos da vida.
Não quero ser mais um corpo que testa positivo por esse vírus que não fui eu quem produzi.
Eu também tenho fome. Mas não posso chamar o ifood.
Eu não como um prato farto já tem três dias.
Eu preciso de cesta básica. Dessas que a classe média entrega no Natal para amansar culpas e que os políticos entregam em época de eleição para amansar burros.
Eu não tenho dinheiro. Não tenho a porra do dinheiro.
Meus filhos precisam do que não tenho, do que não temos.
A minha sobrevivência é o papel que cato, as latinhas que acho.
Parem de ser hipócritas.
É para lavar bem as mãos né?
Só que onde eu moro a água chega de manhã e lá pelas seis da tarde vai embora. Será que o vírus dorme quando a tarde cai e a noite vem?
E agora José?
Quantas vidas vão embora sem o básico: cestas, saneamento, renda, vida.
Nós tomamos banho dia sim, dia não.
Ah, tem mais.
O preço do sabão duplicou.
Acho que tem alguém querendo lucrar com a minha desgraça.
Sempre teve.
Quando tem sabão, a água vem suja. Sempre alguma coisa não está, ou não vem, ou vem estragada.
Está perplexo? Estávamos aqui o tempo todo!
Talvez o inimigo invisível é que faça você enxergar o que a gente aqui sempre viu.
É pra estudar online né?
Deixa eu te explicar uma coisa: não tenho celular, tablet, notebook ou computador.
Não tenho acesso à internet.
Eu não sei o que é nascer e ter acesso às coisas.
É pra fazer o ócio ser criativo né? Produzir mais, ler livros…
Enquanto você lê livros e espera a criatividade vir de um ócio sem ponto biométrico pra bater, eu estou dirigindo o ônibus que leva seus empregados até a empresa, seus filhos até a natação, a comida do ifood que você vai comer.
Se você levanta às 9h para buscar pão é porque eu levantei às 5h para fazer o pão chegar até você às 9h.
Eu não quero produzir nada durante o isolamento. Não quero morrer. Não quero ter méritos. Não quero o mérito de colher papelão aos montes pra ganhar migalhas.
Se o isolamento é coisa de comunista eu não sei, mas sei que tenho fome e vontade de continuar viva.
Os R$600? Me disseram que demora mais 15 dias. Mas eu tenho fome agora. Você já passou fome?
LAIELA SANTOS é escritora e militante do Movimento Feminista Negro
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