por Julieta Jerusalinsky

Não… Não estamos em guerra! Estamos sob a ameaça da doença e não só a de um vírus, mas a do egoísmo, a da recusa, a do exercício do ódio fomentado pelo narcisismo das pequenas diferenças. Essa é a mais letal doença humana.
O vírus é um acontecimento da ordem do real, incidioso, altamente contagioso e com potencial de letalidade. Mas tão ou mais perigoso é o que os humanos podem chegar a fazer com ele.
Por isso é preciso que fiquemos atentos às narrativas que se produzem. Ao produzir, em meio a uma pandemia, o discurso de uma guerra, se criam inimigos imaginários a partir dos quais passam a ser justificáveis estados de exceção do exercício e das negociatas do poder, por parte de governantes e forças armadas (aliás foi assim que iniciamos a semana passada).
Na guerra se erguem insígnias e, partir delas, as rivalidades entre países, a xenofobia e os nacionalismos apagam a condição de semelhante do ser humano que não seja idêntico a si (como se houvesse idênticos), visto a partir de então como um rival que deve ser aniquilado.
Se produz assim um discurso que justifica matar e morrer em um aniquilamento do diferente. Então é preciso ter cuidado com essa discursividade que incentiva a rivalidade, as insígnias identitárias versus o semelhante.
É isso que depois legitima que um estadista de um país rico afirme que vai se apropriar de material de saúde pagando mais em detrimento de países mais pobres, ou que vai cortar a verba repassada à organização mundial da saúde se ela ousar dizer algo que contraria seus interesses.
Não! Nós não estamos em guerra! Toda a humanidade está afetada por um vírus. Estão todos doentes ou sob o risco de uma doença real. Diante disso não são armas, rivalidades e discursos de incremento de ódio ao semelhante o que precisamos.
É necessário cuidado, solidariedade, respeito à vida, amparo do Estado, saúde, educação, saneamento básico. É preciso que se abram os cofres. A saúde vem antes das margens de lucro. É uma questão ética. Mas, mesmo para aqueles que não parecem se importar com isso – que empurram à população às ruas, pregando mentiras pela internet e exercendo deliberadamente um obscurantismo digital que recusa a ciência – é importante dizer: previnir não só é muito mais ético, mas é tambem o mais barato a longo prazo, mesmo que inicialmente exija investimentos!
Agora iremos todos pagar o preço (e os mais vulneráveis, sempre mais do que os demais). Iremos pagar o preço não simplesmente de um vírus, mas do seu cruzamento com o projeto de desmonte do estado do bem estar social mundial que rodou o globo nas últimas décadas. Em nosso país, do congelamento do investimento na saúde, educação, assistência e pesquisa que agora se revela muito mais custoso.
A guerra está na cabeça dos armamentistas, xenófobos, separatistas e nacionalistas. A guerra não é o que está na cabeça dos profissionais da saúde que cuidam dos doentes, dos professores que zelam pela educação, da assistência que cuida dos mais expostos e dos pesquisadores que, mesmo sem bolsas, correm atrás de soluções.
Que o diga o primeiro ministro da Inglaterra que, depois do Brexit, acabou sendo cuidado por dois enfermeiros estrangeiros. Por isso, chega desse discurso de guerra! Vamos falar de solidariedade.
Esses termos definem uma encruzilhada ética. É preciso reconstrirmos para os mais jovens a esperança de um pacto civilizatório, em um projeto social mundial solidário. Porque a paixão pela ignorância que se encerra em verdades cegas e se recusa à saber, assim como o ódio e a destrutividade do narcisismo das pequenas diferenças, também são altamente letais.
JULIETA JERUSALINSKY é psicanalista, mestre e doutora em psicologia clínica e professora universitária
Categorias:ARTIGOS
Todos esquecem que é hora do “nós” numa busca igualitária que ofereça solução para todos, mesmo resultando da inoperância dos humanos, é a VIDA que clama clemência num realinho onde só deve constar as Virtudes da regeneração para a evolução do Planeta , do Cosmos.
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