ARTIGOS

Trabalhadores não são ouvidos sobre deliberações laborais durante a pandemia

por Oscar Krost

A dinâmica da vida nos ensina que cada problema (ou desafio, aos mais otimistas) exige uma solução de semelhante envergadura.

Peixes pequenos são atraídos por iscas pequenas, assim como doenças graves demandam tratamentos prolongados.

Equacionar variáveis, presentes e futuras, avaliar relações complexas de causa e efeito, bem como considerar o imponderável, exigem visão, preparo e responsabilidade. 

Imaginem que a questão a ser encarada diga respeito a uma pandemia, fenômeno multifacetado e causado por um agente patogênico em constante mutação. 

Eis a situação em que nos encontramos por conta da disseminação do Coronavírus (Covid-19), gerando a paralisação, por questões sanitárias e de saúde pública, de significativa parcela das atividades produtivas no país e no mundo. 

Após o reconhecimento do estado de calamidade pública, o Governo Federal diariamente vem adotando novas medidas – Decretos, Leis, Medidas Provisórias e Portarias – para municiar os empregadores no enfrentamento dos custos com mão de obra diante da queda do consumo, buscando evitar, ao máximo, a dispensa em massa.

No momento em que escrevo, acaba de ser publicada a Medida Provisória nº 944, voltada à criação de linhas de crédito para pagamento da folha salarial. Com mais esta regra, atinge-se media próxima a uma nova medida provisória por dia nas últimas duas semanas.

Aqui reside a reflexão central destas despretensiosas linhas: se todos estamos no mesmo barco, ainda que em andares e cabines diferentes, e sujeitos aos inúmeros efeitos da pandemia, por que universalizar apenas os problemas, ao invés de assim também procedermos quanto à responsabilidade pela escolha das soluções?

Negociações individuais viabilizadas pelas novas normas trazidas pelo Poder Executivo, com destaque às Medidas Provisórias nº 927 e 936, ambas de 2020, sobre redução de jornada e de salários, suspensão contratual e ações do gênero, deixam a desejar, não no aspecto material, mas formal, o que pode ser facilmente resolvido.

Excetuadas raríssimas exceções, todos perderão em meio à crise. Então, pela lógica, devemos desfragmentar o debate e incluir a maior quantidade de sujeitos, inclusive os coletivos e de base, na busca de alternativas.

Negociação coletiva, participação sindical, acordos e convenções setoriais, mediação e participação ampla. Democracia e assunção de responsabilidade, eis a chave da distribuição das perdas e da adoção do protagonismo na tomada de decisões. Não há mágica ou milagre, mas necessidade de assegurar a legitimidade de medidas austeras e extremas que serão adotadas. Garante transparência, isonomia e autonomia em cada agir, democratizando práticas. Quanto maior for o número de interessados a participar do debate, menor será o que poderá questionar, futuramente, a lisura das resoluções.

Como já dito, um grande desafio exige um enfrentamento de mesmo porte, o que pode ocorrer com o chamamento a uma mesa de negociações de patrões e trabalhadores, com ou sem o Estado.

Ao contrário do que alguns possam imaginar, tal proposta não representa novidade no campo das relações laborais. A formação tripartite da Organização Internacional do Trabalho (OIT), única agência das Nações Unidas que adota este formato, desde a criação, em 1919, pelo Tratado de Versalhes, é a tônica de uma concepção paritária na tomada de decisões, em escala global.

As Convenções nº 98 e 154, da própria OIT, por exemplo, incentivam a autonomia, a liberdade e a negociação coletivas, tanto do capital, quanto do trabalho, reforçando a importância da atuação conjunta e do agir dialético.

No Brasil, a Constituição assegura “a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação” (art. 10). Em diversas passagens, fomenta, ainda, a autonomia coletiva, principalmente em questões de interesse metaindividuais, inclusive a participação dos trabalhadores na gestão das empresas (art. 7º, inciso XI).

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) endossa a ação paritária de empregados e empregadores, conferindo igualdade formal de voz em órgãos colegiados, a exemplo das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs, art. 164) e das Comissões de Conciliação Prévia (CCPs, art. 625-A). Da mesma maneira a legislação esparsa, com destaque à lei do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), no que diz respeito à composição do órgão gestor do numerário (Lei nº 8.036/90, art. 3º).

A própria Justiça do Trabalho sempre contou com Juízas e Juízes de carreira atuando lado ao lado de representantes “Classistas”, prática extinta pela Emenda Constitucional nº 24/99. Das Juntas de Conciliação e Julgamento, passando pelos Tribunais Regionais do Trabalho até chegar ao Tribunal Superior do Trabalho, a marca deste ramo tão importante e peculiar do Poder Judiciário sempre foi o proceder colegiado, plural e paritário.

Vivenciar esse momento ímpar na história da humanidade e experimentar suas consequências não são opções individuais. É essencial a participação do maior número possível de  interessados, inclusive e especialmente dos sujeitos coletivos de base, sindicatos de trabalhadores e de empresas, para que sejam aproveitadas as lições trazidas pelo aprofundamento das experiências plurais acumuladas, de forma mais transparente, equânime e legítima, de modo a superamos, juntos, a grave conjuntura atual.

Que “a crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência”, título de uma das mais importantes obras do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, nos sirva tanto de alerta, quanto de inspiração, a fim de que se reconheça a força do coletivo.

OSCAR KROST é mestre em desenvolvimento regional (FURB) e juiz do trabalho (TRT12)

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