por Daniel Barros

Para a pessoa que tem certa fobia de gente em volta, frequentar o Shopping Palladium no domingo, cheio de adolescentes e famílias andando vagarosamente (como devem andar todos os que só pra passear lá entram) não é uma atividade fácil.
Nos corredores lotados não se respeita direção. Famílias de cinco andam um do lado do outro, como que formando uma corrente, um arrastão lento passando pelo corredor. Aqueles que não desviam, fazem questão de trombar com alguém. Protesto silencioso da falta de respeito com o espaço de todos. Pessoas parando para ver as vitrines, comentando produtos que não vão comprar. Até porque o dólar chegou ao patamar dos quatro reais, o salário mínimo não subiu e o dinheiro é para pagar a carne do almoço. Essas pessoas passeiam em um paraíso que não conseguem consumir.
A praça de alimentação é basicamente um comedouro: filas, caras mal-humoradas, atendimento terrível, crianças correndo pelas mesas, pais desatentos dos filhos, adolescentes tentando achar quem são gritando e falando alto, usando o lugar como ponto de encontro. Pedi um lanche no Burguer King, esperei entre encontrões e falatórios até que meus anéis de cebolas empanados ficassem prontos. Escutei, assim que peguei minha bandeja, o nome do Ozair ser chamado para buscar também o seu lanche que já estava pronto. Comi vendo as pessoas transitarem, esperando na fila do pedido enquanto o autoatendimento estava livre, inclusive foi o que me salvou da enorme fila. A moça que entregava as comidas ainda insistindo em chamar o Ozair que ainda não tinha aparecido. Comi com pressa, mais pela irritação que aquela algazarra me impunha do que por ceder a mesa para outro. Saindo da praça escutávamos ainda o Ozair sendo chamado, fui obrigado a imaginar onde estaria esse homem que pagou o lanche e não foi buscar.
Confesso que ao entrar em um banheiro nessas situações tem-se toda a problemática social de um banheiro social, ainda mais para uma pessoa LGBTQ+. Ao entrar num desses minha preocupação maior é que não me ouçam fazendo o número dois, depois é uma possível violência de um macho frágil que supôs algo sobre mim. Embora eu não tenha muitos trejeitos, a violência verbal (sobre minha sexualidade) sempre fez parte da minha existência. Se bem que, forçando minhas lembranças, ainda ouço as histórias de banheirão contadas por alguns colegas, mas a chance de o banheiro ser banheirão são pequenas em um domingo da família tradicional brasileira.
Lavando as mãos, passados meus riscos (criados por mim, porém possíveis), escutei um trio de adolescentes colegiais falando sobre um menino que parecia ser “gay” por causa de uma foto que eles viram. Houve risos, falaram da possibilidade, mas, por fim, bateram o martelo afirmando a homossexualidade do guri. Saindo do banheiro, um deles, rindo, dizendo que não tinha nenhum preconceito.
Oras, conversando com o amigo que me acompanhava nesse dia, decidimos que se o adolescente não tinha preconceito, porque ele passou todo o tempo debatendo se o outro era ou não era?
Nesse momento encerrei o assunto na minha cabeça confirmando a hipocrisia social que está tão incrustada que não se percebe a dicotomia da ação humana. E, por fim, decido que ir no shopping em um domingo definitivamente não é para mim.
DANIEL BARROS é ator e escritor. Mantém o blog “Isso é Tão Barros” com contos, poesias e cronicas autorais.
Categorias:ARTIGOS
Olha só…
Eu ainda me pego surpresa com o poder das palavras, sobretudo quando bem colocadas. O texto me levou ao passeio de domingo no shopping e que agonia!
Adorei o olhar do escritor!
Parabéns DeBarros
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