por Mauro Gaglietti

Sig, O Rato, toca novamente no lado de cá – e de lá – do documentário “Democracia em Vertigem” (Netflix – “The Edge of Democracy”) para valorizar o trabalho realizado por Petra Costa, cineasta, e, ao mesmo tempo, para chamar atenção para a experiêcia de luto do Brasil narrado nas entrelinhas no documentário e percebido na voz da narradora. Há a experiência dos brasileiros e das brasileiras com os contornos da política praticada no País e a experiência da diretora do documentário transposta para a linguagem fílmica. Portanto, uma narrativa que expressa uma interpretação pessoal da “realidade” transformando o documentário na “terceira margem” enquanto ponto de encontro entre as mais diversas experiências humanas com o trato das questões republicanas e de grupos privados.
No início do documentário nos deparamos com a narrativa acerca das origens do nome no nosso país. Escolher o nome já é complicado, mais ainda é quando não se tem certeza do significado do nome escolhido. E a origem do nome “Brasil” parecia estar certa desde o início. Durante várias expedições, os navegantes passaram a popularizar o nome de Brasil para nova terra. Portanto, pode-se dizer que a origem do nome Brasil veio dos navegantes que se referiam a uma terra que possuía uma árvore desconhecida dos europeus e que foi o motivo das navegações dos portugueses até o continente por três décadas. O nome pegou e a realeza, de certa forma, adotou o nome, fixando-se no imaginário dos viajantes e exploradores da nova terra. Entretanto, a origem dele é muito contestada em diversos estudos realizados por especialistas. Alguns historiadores contestam o fato de o nome ser originário da árvore que possuía em abundância no território brasileiro. Varnhagen e Capistrano de Abreu, por sua vez, discordaram da divulgação a respeito da origem do nome Brasil. Segundo eles, o nome não seria originário do Pau-Brasil, mas de uma ilha imaginária localizada na costa da Irlanda. Capistrano afirma que essa ilha irlandesa era cercada de mitos, lendas e sua real existência jamais fora comprovada. Porém, durante a Idade Média, a ilha “Brazil” (como era chamada) era representada em mapas da época, sendo, portanto, “real” na atual época e conhecida de quem os manejava. Alguns dos mapas induziam a sua realidade, apesar de nunca se ter conhecimento da existência da dela. Segundo algumas das lendas existentes sobre a ilha, o Rei Brasal fixou residência na Ilha Brazil após sua morte, sendo assim mais uma prova de todo o misticismo que envolvia a Ilha Brazil, que constava em alguns mapas de navegantes portugueses à época. Alguns poetas portugueses, como Gustavo Barroso, defenderam essa tese da Ilha Brazil ter servido de inspiração para a “nova terra mágica” encontrada pelos portugueses. Há outros poucos estudiosos que acreditam na inspiração de Brasile – com nome proveniente de “Balj Ibn Bishr” – que fora o primeiro chefe muçulmano a conquistar a Andaluzia, na Espanha. Devido a dificuldade de pronúncia do nome do guerreiro muçulmano, seu nome fora modificado ao longo dos anos, adaptando-se a pronúncia na linha do tempo. Fixou-se, portanto, o nome de Brasile. E, devido à fronteira entre Portugal e Espanha, e o consequente conhecimento histórico da Europa, o nome teria inspirado navegantes, exploradores e colonizadores portugueses a batizar o nome. Porém essa teoria é pouca aceita e dificilmente é divulgada. Desde 1500 há diversas discussões nas quais a origem do nome “Brasil” entra em pauta. Quando fora descoberto, a discussão era para o nome ser definido para a nova terra, atualmente é qual sua devida origem. Apesar de a origem do nome nunca ser algo que será devidamente unânime entre autores, o Brasil pode ser definido como um país com um passado interessante, um presente e futuro promissores. É o país cujo nome significa beleza, felicidade e cultura, transborda cultura, portanto, apesar de não se saber a sua devida origem, seus significados são infinitos. No caso, já fomos batizados com um nome cuja origem gera controvérsias até hoje. Isso abre espaço para muita coisa em termos psíquicos….
No caso, esse documentário trata o Brasil a partir de um singular divã. Percebe-se que se trata de uma experiência relacionada ao luto em relação ao inapreensível de um evento traumático, bem como pelo signo positivo de um acontecimento de elaboração (e por que não de reconstrução). Assim, a noção de experiência se articula a algo apreensível, em sua característica de perda, como também em relação à experiência de um saber. A dificuldade de se dizer associa-se a uma experiência, colocando-a lado a lado com o conceito de “real”, que carrega em si um alto grau de dificuldade – de impedimento – de que se possa falar direta e positivamente acerca dele. Este aspecto subjetivo e constitutivo da perda é, na verdade, a experiência de perda, e o campo social da perda, os conflitos com o que vêm se manifestando na sociedade brasileira, as ambivalências, as ambiguidades, com o outro, constitui-se em uma perda da experiência. Nesse caso, tornamos a experiência um sucedâneo da transformação por meio de sucessivas metamorfoses no Brasil dos tempos da ditadura militar e da experiência de democracia (há também as perdas familiares como experiência da própria narradora do documentário). Experiência da perda do inapreensível e antes mesmo de haver a perda de experiência houve mesmo a experiência de perda.
Assim como na consciência, o “processo de individuação” também atua intimamente ligada ao “Ego”, no intuito de proporcionar por meio dessa união, o desenvolvimento de uma personalidade distinta e persistente. Segundo Carl Gustav Jung, o ser humano só poderá individualizar-se na medida em que o “Ego” for permitindo que as experiências recebidas se tornem parte da “consciência”. A “consciência” e a “individuação” caminham juntas, passo a passo no desenvolvimento de uma personalidade na medida em que o início da formação da “mente consciente” marca também o início do processo de “individuação”. Nesse contexto, a psicoterapia tem um papel fundamental no âmbito da busca do autoconhecimento , fortalecimento e direcionamento do “Ego”, no sentido de que o analista e o analisando se unem na tarefa do pensar. Desse modo, podemos afirmar que o processo terapêutico é de fato o processo de individuação. O “Ego” de uma pessoa altamente “individuada” permite que um maior número de elementos psíquicos se torne consciente, gerando assim um equilíbrio fundamental em sua estrutura. O Brasil precisa encontrar esse ponto de equilíbrio, o equilíbrio dos antagonismos que já nos falava Gilberto Freyre.
Sig, O Rato, lendo as “cartas” de Jung e cruzando-as com o documentário “Democracia em Vertigem” nota que a psicologia – no sentido estrito – é a ciência dos conteúdos da consciência. Portanto, seu objeto não é metafísico, caso contrário ela seria uma metafísica. Sig, O Rato, pergunta: pode-se caracterizar a física de ser uma metafísica? Por que seria a psicologia a única exceção a essa regra? Sig, O Rato, encontra-se profundamente impressionado com o fato de as pessoas estarem tão sujeitas ao erro e à ilusão. Considera, diante disso, ser imperativo moral não fazer afirmações sobre aquelas coisas que não podemos ver nem comprovar, e acha que é uma transgressão epistemológica fazê-lo assim mesmo. Estas regras valem para a ciência empírica. Bom dia, bom final de inverno e viva nós que atravessamos o agosto, agosto! Até breve…
MAURO GAGLIETTI é professor universitário, mediador de conflitos e doutor em história pela PUC/RS
Bibliografia
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