por Juan Manuel P. Domínguez

Na segunda semana de Maio de 2019, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), Argentina, Ariel Goldstein apresentou seu livro “Bolsonaro, a democracia do Brasil em perigo”. Ariel Goldstein é mestre em ciências políticas e pesquisador no Instituto da América Latina do Conicet. Seu livro é o primeiro livro já editado sobre o presidente do Brasil após ter assumido seu mandato. Entre os diversos fenômenos que colocaram o candidato do PSL na presidência, e que são todos lucidamente detalhados no livro, Goldstein menciona a utilização que Bolsonaro fez das redes sociais para espalhar suas Fake News e seus discursos autoritários para assim, finalmente, ganhar a vontade dos eleitores.
Por trás dessa vitoriosa maquinária bolsonarista esconde-se o grande idealizador dos últimos triunfos a escala global da extrema direita. Falamos de Steve Bannon, que se fez famoso a nível mundial por ter colocado de forma inesperada Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, após uma campanha suja que acabou com um assessor de Trump preso em Janeiro desse ano e com Bannon afastado oficialmente pelo Trump da Casa Branca, no dia 18 de Agosto de 2017, a causa do seu radicalismo e sua personalidade conflituosa. O fascínio de traçar um paralelismo entre a figura de Bannon e a figura de Joseph Goebbels (Ministro de propaganda nazista) não é modesto. Assim como os tinha Goebbels, Bannon tem hoje propósitos claros, para os quais a aplicação de princípios éticos restritivos não é parte da estratégia. O Breitbart News, site de notícias e opiniões de extrema direita ao qual pertenceu antes de ser assessor de campanha em 2016, já foi acusado de esparramar notícias falsas e teorias da conspiração, assim como posicionamentos racistas, anti-muçulmanos e anti-imigração. Bannon é uns dos teóricos da “Estratégia da crispação”, gerar uma sensação de mal-estar geral nas populações através das mídias, para assim facilitar o acesso ao poder dos candidatos com programas de governo neoliberais.
O americano foi um conselheiro informal na campanha do Bolsonaro, atuando nas áreas de inteligência e análise de dados. A estratégia de espalhar informações falsas sobre o opositor já tinha sido praticada nos Estados Unidos contra a adversária política Hillary Clinton, que, entre outras coisas, foi acusada de liderar uma rede de prostituição e tráfico infantil. Durán Barba, assessor de imagem e imprensa do direitista argentino Mauricio Macri, e discípulo ideológico de Bannon, também utilizou o recurso das Fake News para sujar a figura da Cristina Kirchner no seu caráter de mãe, de esposa e de mulher. Não é nenhuma novidade que a difamação dos adversários, acusando-os de casos de corrupção que raras vezes são provados, é uma estratégia histórica dos setores conservadores. Ante a falta de propostas atraentes para o eleitorado, o que prevalece é a demolição do inimigo. A deslegitimação total da sua imagem perante a sociedade e o saqueio do seu capital político.
No seu livro, Ariel Goldstein insiste: Bolsonaro tomou enunciados do micro fascismo popular que circulavam na sociedade como “Bandido bom é Bandido Morto” e o levou às grandes ligas da política nacional, num contexto em que a segurança é a principal demanda num país devastado pela corrupção e as gangues criminosas.
O microfascismo não se define como micro por ser pequeno, e sim por ser difuso, por estar em todas partes, por articular relatos condensados de violenta intolerância. Esse fenômeno dos microfascismos sendo amplificados a nível nacional para uma eficaz identificação do candidato com setores do conservadorismo popular, é algo que se repete em todos os casos das recentes ascensões da direita ao poder. O discurso belicista e anti-imigração de Trump é parte da cultura reacionária americana mais tradicional, construída a partir das várias intervenções do país nas distintas áreas do mundo e a sua posterior constituição como potência guardiã do ordem mundial. A xenofobia, que já foi sofrida pelos imigrantes italianos e irlandeses no começo do século XX, é caraterística dos microdiscursos populares que podem ser apreciados em todos os filmes de Hollywood, aonde a figura do imigrante é problematizada. O discurso de Trump não é o discurso de uma elite circunscrita e sim a expressão de um descontento popular incitado durante décadas pela mídia nacionalista reacionária, que criou a ideia de um Estados Unidos ameaçado por forças externas que permanecem constantemente à espreita. No seu documentário “Bowling for Columbine”, Michael Moore, diretor de cinema estado-unidense diz que a mídia americana é a mídia que mais espalha notícias violentas no mundo, criando na sociedade uma sensação de insegurança e de paranoia geral.

O Brasil vem de uma tradição de crimes por homofobia de longa data. O país já foi considerado o mais homofóbico em várias oportunidades durante sua história recente. Entre 1986 e 1989, Fortunato Botton Netto, um garoto de programa conhecido como “O Maniaco do Tríanon”, assassinou treze homens que foram seus clientes no meio de um clima de extrema homofobia que estava eminente na cidade de São Paulo. A repercussão do caso levou à realização de uma série de entrevistas nas ruas da cidade, como marco de um documentário produzido pelo Discovery Channel, e que teve como resultado uma surpreendente reação das pessoas entrevistadas, afirmando seu desejo de que os homossexuais fossem mortos, assassinados, punidos. Poderia se dizer então, que a figura do Bolsonaro, contornado por uma visceral homofobia, encaixa de forma quase perfeita numa sociedade sintomática da repressão às sexualidades não normativas. Sendo o maior consumidor de pornografia homossexual do mundo, a escolha por um presidente que predica o ódio aos homossexuais e legitima os atos de violência contra eles, só poderia ser sintoma dos preconceitos histéricos e narcisistas de um setor, a priori privilegiado, que pratica a subordinação do outro como forma de construção dos tecidos sociais. Esta subordinação acaba por virar um culto à masculinidade, ou, para ser mais justos, a um tipo de construção do masculino. Esse masculino iconográfico, quando rachado, torna-se agressividade pura (misoginia, homofobia, transfobia, lesbofobia, etc) Essas fobias enquadram-se com o preceito fascista do invasor que chega para poluir um estado de natureza pura, a hetero-normatividade no caso, um invasor que precisa ser isolado, punido, para continuar trabalhando na purificação da sociedade.
“O fascismo é inseparável de focos moleculares, que pululam e saltam de um ponto a outro, em interação, antes de ressoarem todos juntos no Estado nacional. E mesmo quando o Estado fascista logra se instalar, ele tem necessidade da persistência desses microfascismos que lhe dão um meio de ação incomparável sobre as “massas”. Deleuze e Guattari, Mil Platôs.
Para Domenico Hur, professor de psicologia na Universidade Federal de Goiás e especializado na psicologia política, os microfascismos são delimitações territoriais de um grupo social sobre outros. São uma atualização das lógicas fascistas tradicionais da dominação e sub-rogação do outro, uma atualização aonde agora os dominantes seriam os homens hetero-normativos cristãos, sobre as mulheres, os favelados, os indígenas e os homossexuais.
Se pensamos a nossa era pós-moderna como uma era em que já não tem lugar para os grandes relatos, a supervivência da narrativa fascista só poderia acontecer nessas micro narrativas preconceituosas e discriminatórias, e a propagação delas acabaria criando uma sensação generalizada de desconforto propicio à aparição de propostas messiânicas e patriarcais de salvação. “Não iremos virar uma Venezuela”, “A bandeira do Brasil jamais será vermelha”, são frases imperativas e de um alto degrau de condensação sintáctica, muito eficazes para operar dentro do mundo dos afetos e do simbólico. Vale lembrar que, por antonomásia, o fascismo opera essencialmente no mundo dos afetos, como bem pontua Doménico Hur, num brilhante vídeo do seu canal de youtube. Em muitos casos, o mundo dos afetos também pertence ao mundo do simbólico. A ponte entre o simbólico e o afetivo, no discurso fascista, radica no nacionalismo. Como construção simbólica que nos atravessa desde a infância (aquele momento fundamental da acumulação e formação do afeto), o nacionalismo é uma glândula psíquica muito poderosa para a produção de energia afetiva. O fascismo
Por regra geral, as pessoas que emitem esses enunciados tão pouco fatíveis e que as vezes lhe são alheios, estão enraivecidas. É improvável que a bandeira do Brasil se torne vermelha, mas mesmo assim a pessoa afirma isto como um possível imediato. Os enunciados micro fascistas também tem caraterística retoricas hiperbólicas (exageros) e maniqueístas (uma divisão clara entre o bem e o mal). O modo imperativo prevalece: “se é o do PT é corrupto”, “professor de humanas é doutrinador”, “universidade federal só tem estudante vagabundo e maconheiro”. Destaca-se seu caráter de afirmação excludente, de imposição normativa e injuriosa.
“Desejo de dinheiro, desejo de exército, de polícia e de Estado, deseejo-fascista, inclusive o fascismo é desejo” Deleuze e Guattaru, Mil Platôs.
O paradigma da meritocracia é também um condicional na produção de enunciados microfascistas: “é pobre porque merece”, “foi estuprada porque andava de saia curta”. É um mérito negativado, uma meritocracia invertida, que, de alguma forma, legitima a violência económica, no primeiro caso, e a violência patriarcal, no segundo caso. Essas duas violências são os pilares que amparam a existência da narrativa fascista, assim como também são a matéria utilizada na fabricação de inúmeros enunciados microfascistas que formam parte do nosso cotidiano.

São esses enunciados fascistas, moleculares, a novidade nessa direita pós-moderna. É este mecanismo que é utilizado para fazer apelo aos sentimentos nacionalistas. Nesse sentido e de forma geral, o apelo ao nacionalismo se resume num ódio ao imigrante, claro está, esse imigrante é um imigrante que foi previamente categorizado. Não se trata de odiar os imigrantes em si, se não de odiar certo tipo de imigrantes que são de nacionalidades inferiores, terceiro mundistas ou como queiram se chamar. Como dito anteriormente, esse ódio permite estruturar um tipo de retórica do nacionalismo que apela a valores tradicionais que a gente poderia considerar que, na verdade são transnacionais, e que tem sua origem na universalização das religiões monoteístas na cultura ocidental: o valor da família heterossexual, o papel da mulher na sociedade, a proibição do uso de drogas e das práticas hedonistas, e a normatividade sexual. Essas são as problemáticas que o fascismo coloca em discussão em cada país como próprias de uma idiossincrasia nacional que estaria sendo ameaçada pela decadência instaurada desde o marxismo cultural e a ideologia de gênero. Argentina, EUA e o Brasil sofreram processos idênticos. As revoltas reacionárias estimuladas e magnificadas desde a mídia conseguiram convencer à população do perigo da perda iminente de uma identidade nacional. O que nunca é discutido, é que esses líderes escolhidos para encabeçar o discurso do micro fascismo (Bolsonaro, Macri, Trump) serão os encarregados de levar em frente uma transnacionalização da economia, uma venda do patrimônio nacional, criando assim uma dependência do pais aos organismos internacionais de financiamento, quase sempre com localizados no hemisfério norte do planeta, a dizer: Europa e os Estados Unidos. A transnacionalização da economia acaba tendo como consequência uma transnacionalização da cultura e das práticas linguísticas. Os filmes que a gente assiste, os nomes dos restaurantes, dos fast food, tudo toma a forma da língua do país do norte. A perda do valor cultural do próprio (as culturas indígenas) é, por inercia, uma consequência de todo esse processo.
Na Argentina, com o assessor do Macri, Jaime Duran Barba, e nos Estados Unidos e no Brasil com o steve Bannon, as recentes experiências dessas ações micro fascistas acabaram mostrando que a prática da micro politica é de vital importância para a reconstrução de identidades nacionais determinadas. Micro políticas de solidariedade, de tolerância e de pluralidade deveriam ser colocadas em execução como resposta ao retrocesso que sofremos nos últimos anos em questão de convivência social. É necessário que, a nível molecular, e em cada canto, em cada conversa, positivemos o relato da cooperação e da tolerância. É preciso celebrar os avanços que aconteceram em questão de direitos cidadãos na América, que colocaram o continente na vanguarda a nível mundial em matéria de direitos e garantias individuais. Essa tarefa, que a priori parece monumental, é vital na neutralização desse novo fascismo que tem ganho o coração e a mente do eleitor em vários países do mundo. As lutas que as minorias exerceram em prol dos seus direitos ecoaram de forma assertiva em muitos cidadãos e em muitos casos foram ouvidas pelos governos populares da América do Sul nos primeiros anos do século XXI. Não claudicar e aprofundar esses avanços nos nossos diálogos cotidianos parece ser a saída mais viável para continuar em frente.
Juan Manuel P. Domínguez. Escritor, Cineasta e Jornalista argentino baseado no Brasil.
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