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Eros indo embora pelo ralo em Byung-Chul Han

Por Juan Manuel Palomino Domínguez

Imagem hétero normativa patriarcal do Eros (Imagem denota Eros em posição dominante em relação a sua amada psique) Os seios da Psique foram tampados, talvez antecipando que na era digital eles formariam parte do tabu imagético. Escultura de Antonio Canova, “Cupido e Psique”, 1787-1793. Não adianta ir xingar ele no face ou no Insta, aparentemente já morreu.

Ao contrário do que possa parecer, a ideia do Han de defender um conceito de amor não baseado em relações fetichistas, ou atravesadas pelo narcisismo, não parte de uma premissa moralista de coerção às condutas negativas, e sim do perigo da potencial alienação em massa dos corpos, das relações, da politica e do pensamento.

Byung chul Han, filósofo Sul Coreano, um dos mais lidos da atualidade, planteia que a supervivência de Eros está ameaçada pelo domínio do narcisismo, o que provoca a desaparição do outro, da fantasia e do amor. A pergunta recorrente no livro é “Acaso é impossível o amor no século XXI?” A viabilidade do amor fica em dúvida ante a multiplicidade de opções que oferece o enxame. O conceito de enxame funciona como metáfora do mundo virtual, aonde um numero gigante e infinito de usuários produzem informação de sim mesmo, das suas preferencias, dos seus corpos, das suas aparências e costumes. Essa informação produzida de forma voluntária a partir do narcisismo individual gera, como consequência o “big data”, grande base de dados que serve para que o poder crie mecanismos de comunicação convenientes aos seus fins de dominação. A manipulação da informação durante as eleições nos Estados Unidos e recentemente agora, aqui no brasil, são um testemunho irrefutável disso.

O enxame seria então esses usuários abelhas que, em conjunto, criam um grande zumbido que, ao passo, acaba gerando individualmente a ideia de estarmos na frente de um mundo com uma infinita quantidade de opções. São opções de consumidores que se oferecem a sua vez como objetos de consumo, corpos autoerotizados. Consumidores de informação que geram sua própria informação. Ante esse colossal cardápio de opções para estabelecer relacionamentos humanos, a ideia do outro desaparece, acaba se deteriorando. E tudo acaba se resumindo no eu mesmo e, segundo o filósofo coreano, se produz um corrimento ao que ele chama de extremo narcisismo. No inferno dos iguais, a ideia do outro já não tem espaço porque para que exista o outro é preciso a supervivência da diferença e do incognoscível.  Para que exista erotismo é preciso que não toda a informação seja manifestada. O erotismo seria um caminho de induções, nunca poderia ser um mercado de produtos reconstruídos, já que a eroticidade não obedece a padrões como sim o faz a pornografia (pornô de negros, pornô de gordos, pornô de estudantes) a eroticidade é espontânea, Eros se apresenta sem aviso prévio e nunca permanece no lugar. Não existe um lugar aonde Eros possa ser encontrado de forma fixa. Por isso, segundo Han, a hipersexualidade de um corpo só pode aniquilar seu vinculo com o erótico, com essa interação com o outro. Criando um relacionamento de narcisismo, alguém que quer possuir um corpo com aquele que quer possuir o desejo de possessão do outro.

O Eros requere do esvaziamento do eu no outro, então, resgatar Eros significa resgatar o outro. Caso contrário, a libido acaba se assentando na própria subjetividade, pedindo pela expansão do “eu”. O mundo se parece cada vez mais ao “eu”, à “selfie”, ao empreendedor que procura seu próprio sucesso. Todo fica limitado às fronteiras que impõe o eu.

Alimentando a politica do narcisismo, o neoliberalismo se esconde embaixo da ideia “você é responsável do seu próprio destino”, a partir dessa verdade preestabelecida, qualquer fracasso não seria atribuível a um contexto desfavorável, a um sistema desigual, e sim as limitações e fraquezas individuais. Se reduz assim também, a capacidade de contextualização de qualquer fato ou fenômeno. A descontextualização e individualização da vida permite a manipulação da informação desde o poder. O Poder, entendido como uma entidade que se articula no estado mas que o atravessa é que não é o estado mesmo.

A ideia positiva de que somos donos do nosso destino, responsáveis dos nossos fracassos. Essa “lógica do rendimento” não se limita à atividade produtiva se não que é trasladada aos outros níveis da vida humana. O rendimento também se faz presente no amor. No nosso tempo a ideia do amor se confunde com a ideia do prazer e o prazer se expressa a través do sexual. Por tanto, amor e sexo se transformam em conceitos simbióticos que fazem possível calcular o amor a partir do rendimento sexual. O corpo vai se convertendo num objeto de exposição tomando a forma de uma mercancia.  O corpo que virou uma mercancia deriva no outro como um objeto, dentro dessa exposição. E a exposição do corpo à sua conceitualização como mercancia nos aproxima a ideia do pornô.

Han assevera que a ameaça à sexualidade hoje (deixando de lado as discussões sobre gênero) já não é a moralidade, como acontecia séculos atrás. Hoje a sexualidade de qualquer gênero se vê ameaçada pela extrema sexualidade. A presença absoluta da sexualidade, que em essa presença hiperbólica, aniquila o Eros. O objeto do pornô é um outro ausente, e a sua ausência deriva da ausência do Eros. Se bem o Eros contempla a “possibilidade” da ausência do outro, não contempla a efetiva desaparição do outro. Porque sem o outro não existe o Eros.

O capitalismo e sua lógica da mercancia fetichista se fizeram presente no amor. Ante as infinitas individualizações (infinitos corpos realizando selfies) perde-se finalmente a essência do individual. A metáfora do pornô sinala essa superexposição individualista que acaba contribuindo a uma ideia mercantilizada do amor. O amor, entendido como aquela ponte que me traslada até o outro numa viagem de verdadeiro conhecimento.  Ao contrário do que possa parecer, a ideia do Han de defender um conceito de amor não baseado em relações fetichistas, ou atravesadas pelo narcisismo, não parte de uma premissa moralista de coerção às condutas negativas, e sim do perigo da potencial alienação em massa dos corpos, das relações, da politica e do pensamento.

Juan Manuel Palomino Domínguez é cineasta, jornalista e escritor. Colunista do “El Destape” / “Brasil 247” / Editor Colaborador do “Le Monde Diplomatique” / “Caos Filosófico” / “Revista Crua”.

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