por Cláudia de Marchi

Lamentável o quão machista pode ser uma criação e o quanto ela nos limita.
“Fulano não tem colhões!” Referindo-se ao acovardado, como se mulheres não pudessem ser audaciosas e corajosas, apesar de não terem testículos.
“Coisa de mulherzinha” Para diminuir o outro macho quando ele age de forma mais afável, sensível e empática. Inclusive quando ele chora, como se ter sentimentos e expressá-los fossem méritos ou, no caso, deméritos, exclusivos das mulheres.
Não pretendo tratar aqui sobre masculinidade tóxica, em que pese, saibamos, ela ser uma das mais tristes e pérfidas derivações da nossa educação machista e notoriamente limitante.
Fato é que das mulheres se espera afabilidade, meiguice, mansuetude.
Comumente as mulheres dotadas das virtudes que o patriarcado reservou aos homens são vistas como arrogantes, “cheias de si”, mandonas ou caracterizadas de forma grotescamente humorada como “ticudas”, porque é o falo que dá poder.
É o falo que dá virtude!
Logo, uma mulher senhora de seus desejos, financeiramente independente e que não se cala para um homem, pois lhe diz o que lhe desconserta, ao menos aqui no Sul, são chamadas de “ticudas” por alguns sujeitos que não conseguem sobreviver ao lado de uma mulher que sabe o que quer e fala a respeito disso.
Até psicólogos valem-se deste termo por aqui!
Lamentável.
Eu ainda não sei fazer churrasco, porque aqui no Rio Grande do Sul sempre encarregam um homem disso, logo, comumente, nossos pais não ensinam as filhas mulheres a fazer.
Lavar louça, por outro lado, a maioria das mulheres aprende quando criança.
Enquanto o pai toma cerveja com os amigos e parentes e a mãe, junto com as demais mulheres, limpa a sujeira derivada do churrasco feito- além de lavar as louças sujas, é claro!
E assim ocorre com muitas coisas!
Quando criança, viajando com meus pais no Brasil e na Argentina, o meu sonho era dirigir caminhão.
Meu pai mal teve paciência para me ensinar a dirigir o Verona que nós tínhamos lá em Uruguaiana, em 1997.
(E eu amaria ser uma caminhoneira escritora: lucrando, ainda que pouco, para viajar e me aventurar país afora, afinal, ganhar muito dinheiro nunca foi um objetivo em minha vida, mas viver bem e prazerosamente, sim!).
Não raramente muitos homens demonstram pouca paciência ao ensinar coisas básicas às mulheres.
Eles se seguram, mas a irritação fica à flor da pele.
Enfim, a maioria dos homens gosta de b*, não de mulheres!
Se é que gostam mesmo da referida; às vezes acho que há uma homossexualidade/bissexualidade enrustida na relação carinhosa que um homem trata outro. Há indulgência, privilégios, confiança! Quase tudo para haver amor…
Um lindo, puro e verdadeiro amor!
Isso sem contar a inaptidão de muitos em lidar com a dita cuja: encontrar o clitóris e etc..
Sobre o ponto G, então?! Têm aqueles que acham que é algo que fica fora, que aparece, não sabem ir a fundo, tocar lá dentro. E eles juram, eles têm certeza que agradam!
Diante da empolgação do infeliz fazendo tudo errado e se achando o máximo, chega a dar dó em dizer: “Criatura, vem cá que eu te ensino!”.
Sorte minha e de todas as mulheres que são fãs de penetração, pois no caso, basta interromper a sessão de fiasco do macho e procurar o seu prazer sem ofender o ego, normalmente frágil, da pobre criatura.
Bem, mas algo que sempre me chamou a atenção nos meus tempos de esposa e namorada que, acreditem, correspondem a maior parte da minha vida, mais especificamente dos 18 aos 34 anos vez que só após o ano de 2016 tornei-me acompanhante, foi o trato afabilíssimo que os homens têm um com os outros. Os machões se encontram e começa a bajulação: “Mestre, como está!?”; “E aí doutor!”, “Grande fulano, esse sabe das coisas!”; “E aí, grande professor!” e etc..
É um tratamento homoafetivo.
Cheio de reverência e respeito.
Algo que nunca vi no tratamento entre homens e mulheres, nem tendo sexo como escopo.
Aliás, às vezes penso que alguns homens se relacionam e gostam de mulheres exclusivamente por aquilo que elas têm e os homens não: a vagina.
Insiro aqui trecho de um livro da filósofa estadunidense Marilyn Frye, pesquisadora nos âmbitos sexismo, racismo, opressão e sexualidade, que abordou em seu livro “Políticas da Realidade: Ensaios sobre Teoria Feminista” de 1983, a questão de, a cultura heterossexual masculina ser homoafetiva. Transcrevo:
“Dizer que um homem é heterossexual implica somente que ele mantém relações sexuais exclusivamente com o sexo oposto, ou seja, mulheres. Tudo ou quase tudo que é próprio do amor, a maioria dos homens héteros reservam exclusivamente para outros homens. As pessoas que eles admiram; respeitam; adoram e veneram; honram; quem eles imitam; idolatram e com quem criam vínculos mais profundos; a quem estão dispostos a ensinar e com quem estão dispostos a aprender; aqueles cujo respeito, admiração, reconhecimento, honra, reverência e amor eles desejam; estes são, em sua maioria esmagadora, outros homens. Em suas relações com mulheres o que é visto como respeito é gentileza, generosidade ou paternalismo; o que é visto como honra é a colocação da mulher em uma redoma. Das mulheres eles querem devoção, servitude e sexo. A cultura heterossexual masculina é homoafetiva, ela cultiva o amor pelos homens.”
Outro dia postei em meu Instagram o que seria um prelúdio deste texto e um colega advogado chamou-me no “Direct” e relatou-me que saiu de um grupo de WhatsApp porque certa vez um conhecido escreveu que “mulher é o ser complexo e chato que fica em torno da b****”.
Nada pode representar mais a misoginia de muitos homens heterossexuais do que tal frase!
E sim, existem homens hétero e misóginos que são aptos a agradar-nos na cama.
Que nos cuidam e paparicam.
Mas que não nos ouvem. Que ignoram nossos escritos, nosso posicionamento, tudo o que lemos e sobre o qual falamos, porque eles já têm seus ídolos, e nós não podemos competir com eles. Eles são portadores de falo e por mais avantajado que seja nosso intelecto ele nunca será atraente ao homem machista, estes que de nós só querem o corpo, a beleza. Eles fingem que nos ouvem e que empatizam conosco, mas acreditam mesmo nos projetos do amigo falido, nas ideias do cidadão que sequer estuda para mudar de vida.
Seus ídolos têm falo, seus objetos de desejo têm vagina.
Para o seu azar e infelicidade, porque certamente eles seriam mais felizes se desejassem o falo daqueles que admiram. Deve ser muito tedioso ter que suportar uma mulher, seus assuntos, elucubrações e planos, quando não conseguem ouvi-las, compreende-las e admira-las, quando tudo o que desejam, de fato, são as suas cavidades.
Eis a triste história da grande maioria dos homens heterossexuais!
Sobre virtudes: existem homens covardes, existem mulheres corajosas; existem homens fracos e sem brio, existem mulheres audaciosas e impositivas; existem homens que sequer sabem colocar em palavras o que pensam, por medo ou covardia e existem mulheres que simplificam qualquer receio; existem homens indecisos e mulheres decididas e etc..
A questão é uma: não existe “coisa de homem” ou “coisa de mulher”: existe educação machista!
O máximo que um homem consegue fazer, por natureza, melhor do que uma mulher é urinar em pé.
O restante depende do caráter, do amor próprio e da vergonha na cara de cada um para superar o que lhes foi ensinado.
O restante depende da desconstrução de conceitos e de pré-conceitos para que, quiçá, um homem possa tornar-se afetivo, não homoafetivo. Para, então, tornar-se um homem que admira mulheres, que compreende mulheres, que tem empatia por mulheres, que se solidariza por suas lutas, que torce por mulheres, que incentiva mulheres, um homem que deseja igualdade entre homens e mulheres e não seja mais um mero tarado medíocre que das mulheres só quer o corpo, a servidão, a necessidade de cuidado, como se, para ser homem, precisasse ser o herói de uma dama e não o seu entusiasta e admirador.
CLÁUDIA DE MARCHI é escritora, advogada e acompanhante de luxo.
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Quando a Hebe fez selinho na Rita Lee, foi o maior “aue”, isso porque culturalmente sempre foi aceito mulher se elogiar no corpo e traje, se abraçarem e beijarem! Nos anos 90 (primeiros anos) não havia mais chefia imediata em meu setor e direto com a Coordenação, ai final de expediente o coordenador iria tomar conhecimento do andamento do serviço e, despedida era com o que viria ser chamado de selinho e se eu pedisse de lingua, ele concedia, sabia que eu “curtia” e, quando precisou de informação de algo arquivado, ele me acompanhou na pesquisa, dificil não ficarmos juntinhos: se fosse nos dias atuais, entraria como assédio, mas nunca ele pos a chefia como “distanciamento”; as “aproximações” ocorriam por mutuo entrosamento!
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