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A invisibilidade da mulher após a maternidade

por Liliane Pimentel

O ideal de amor materno que povoa o imaginário popular não corresponde à construção do amor maternal vivido no dia a dia.
Embora na contemporaneidade seja possível falar a respeito dos sentimentos ambivalentes na maternidade, ainda há também muito tabu, visto que a ideia de uma maternidade sem tantos floreios, não tão romantizada, não é bem aceita e, por vezes, é recebida com estranhamento.

Para constatar isso, basta comentar com algumas mulheres mães sobre a parte desgastante de criar filhos e, não tardará a surgir algum comentário justificando que apesar de tudo esse “é o maior amor do mundo”, “mas um filho faz tudo valer a pena”, “se fosse tão difícil, as mulheres antigamente não teriam parido tantos”. De fato, o amor por um filho não cabe em palavras. Ama-se um filho tanto quanto ou mais que a si mesma. Todavia, o que sustentaria o amor materno? Só de amor viveria uma mulher mãe?

A questão para a qual quero chamar atenção aqui, não é para o amor, esse aspecto já é excessivamente romantizado. Quero levantar a possibilidade de discutir as dificuldades frente a maternidade, de falar a respeito dos sentimentos ambivalentes, do desgaste de criar e educar filhos, do alto custo que a maternidade impõe, e não me refiro ao custo financeiro, mas ao custo psíquico, emocional, o investimento de tempo.

Ao considerar somente o lado romântico da maternidade, se desconsidera a invisibilidade materna, o apagamento da individualidade da mulher, as dificuldades, os estranhamentos, a ambivalência materna, a dor da mulher em perceber sua identidade se esvaindo como fumaça na neblina em meio a fraldas, arrotos, peitos cheios de leite, desafios da amamentação, recuperação pós-parto, alterações hormonais, isso para não falar nas questões relacionadas a carreira, relacionamento com o parceiro ou a parceira, sexualidade e outras.

O outro lado da maternidade, que é ignorado, é detentor de inúmeras possiblidades, pois não há como uma mulher convocada a maternidade continuar a mesma de antes após gestar e parir. Não é apenas o corpo que muda. A rotina fica diferente, as prioridades são alteradas, a agenda não atende prontamente as necessidades únicas da mulher. Além de dividir o corpo para que outro corpo seja concebido, gestado, parido e alimentado, a mulher divide-se entre alguém que era e alguém que ainda vira a ser; aliás, esse é um período suspenso no tempo; visto que não são apenas as roupas de antes que não servem mais, o corpo de antes também não é o mesmo. No espelho há uma estranha.

O puerpério, aquele período de recuperação pós-parto descrito na medicina tradicional como quarentena pode durar bem mais que os quarenta dias, se estendendo até o primeiro, segundo ou terceiro ano da criança. Se na medicina, o puerpério seria para recuperação do parto, emocionalmente, a mulher precisa de mais tempo para se reorganizar da avalanche hormonal, emocional, psíquica em que é envolvida. O nascimento de um filho é como a passagem de um furacão acompanhado por um tsunami, seguido por ondas gigantes com fortes ventos que parecem engolir tudo que era minimamente conhecido até o momento, é um processo de renascimento poeticamente assustador.

Então nasce o bebê, nasce uma mãe, uma nova mulher. A mulher que se tornou mãe é invadida por palpites, dicas, e receitas do que fazer – como fazer com as mamadas, para o bebê dormir mais, para resolver as cólicas, o que comer ou não. Em meio a isso tudo, ela, a mulher, fica em segundo ou último plano. Afinal, quem pergunta como a mulher se sente, como ela está? Quem se interessa por ouvir com genuíno interesse uma recém-mãe falar que se sente no caos, que não vê a hora de voltar a dormir, que em alguns momentos gostaria de largar tudo, que se questiona se realmente leva jeito para cuidar do recém-chegado – a vossa majestade que rouba todas as atenções, o bebê.

Por que não falar dos aspectos da maternidade que não são tão bonitos aos olhos da sociedade, mas que ao serem validados diminuem a tensão e a invisibilidade da mulher contribuindo para amenizar a culpa das mães ao considerarem que são menos mães ou nem tão boas por não amarem seus filhos em alguns momentos. A constar, quero frisar aqui que as mães sentem raiva, ficam extremamente irritadas com os filhos, colocam em xeque sua capacidade de cuidar e educar uma criança, se perguntam o que foram fazer da vida ou o que poderiam estar fazendo ao invés de estar com a prole e isso não invalida o amor, ao contrário, o torna real, não ideal, mas algo realmente possível.

Cuidar, educar, exige um investimento psíquico grande, é como uma empresa em que é necessário investir, avaliar custos, cortar gastos, fazer reuniões, contratar, gerenciar, embora o empreendimento maternidade não receba os mesmos créditos de uma organização com fins lucrativos. Entretanto, se queremos uma sociedade melhor, com pessoas mais conscientes, façamos um acordo de parar de romantizar a maternidade. Pelo bem da saúde mental das mães.

A maternidade não precisa ser solitária, podemos falar às novas mães que elas não estão sozinhas, que podem chorar suas dores, suas angustias, seus medos e que não as julgaremos por isso, pois também fizemos esse percurso e, como tudo na vida, isso também passa, mas passaremos juntas, validando os sentimentos das mulheres, abrindo espaço e escuta interessada para que elas possam ser, mulheres. Porque é isso, antes de se tornar mãe, existe uma mulher, por trás da mãe há a mulher com desejos, limitações, um ser de carne e osso que poderá vir a ser uma mãe mais tranquila ao saber que nessa jornada não está sozinha.

LILIANE PIMENTEL é psicóloga clínica, psicanalista em formação e especializanda em psicanálise (UNIFEBE/HSC)

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