por Francesca Mannocchi

Quando é que o demais se torna demais?Quando o desprezo pelo direito internacional se torna intolerável? Depois de quantas crianças massacradas, mortas, queimadas vivas, mutiladas? Depois de quantas denúncias rotuladas como antissemitismo é possível levantar a cabeça e dizer que não, não é antissemitismo de forma alguma — é teimosia em acreditar no direito. É não se resignar à realidade manipulada. Já eram demais dez crianças mortas. Agora são 20 mil. Já eram demais cem civis mortos. Agora são 54 mil. E, no entanto, dirão que o vento está mudando. Mudam as manchetes dos jornais, a indignação é generalizada, a condenação dos crimes de guerra é sentimento comum. E, no entanto, é tarde. Tarde porque em Gaza está se consumando a crise da nossa humanidade, porque diante das provas e dos argumentos jurídicos que indicam condutas genocidas por parte do governo israelense, na omissão e na covardia, o Ocidente está perdendo a si mesmo. É tarde porque levará anos para compreendermos as consequências desse massacre ao vivo — mas sem testemunhas. Tarde porque quem poderia e deveria ter falado, calou-se, diante das declarações de um governo que (repetidamente) evocou o massacre de um povo, que reivindicou o uso da fome como estratégia de guerra, diante de ministros da extrema-direita que teorizaram a desumanização. Tarde porque durante 19 meses soubemos de tudo. Tarde porque mesmo 18 meses atrás, e depois 15, e depois 12, e assim por diante, já se podia discutir a suspensão dos acordos de associação entre a União Europeia e Israel, ou interromper as exportações de armas que, no entanto, continuam sendo autorizadas. Podia-se negar os direitos de sobrevoo aos aviões de Netanyahu, investigado pelo Tribunal Penal Internacional. E, no entanto.
Sempre soubemos de tudo.
As Nações Unidas apresentam, toda semana, os dados atualizados sobre a situação na Faixa de Gaza.
Aqui estão os mais recentes, de 23 de maio:
81% da Faixa de Gaza está dentro da zona militarizada israelense. Desde a quebra do cessar-fogo na noite entre 17 e 18 de março de 2025, houve mais 29 ordens de evacuação — ou seja, mais 600 mil pessoas foram forçadas a deixar novamente o local onde tentavam encontrar abrigo. Traduzindo: quando Israel rompeu o cessar-fogo porque avançar para a segunda fase das negociações significaria inevitavelmente a queda do governo Netanyahu, mais de meio milhão de pessoas buscaram um refúgio que não existe. Porque não há mais espaço para viver, apenas espaço para se amontoar — até serem deslocadas novamente, na melhor das hipóteses, ou bombardeadas novamente, na pior.
Durante 11 semanas, entre 2 de março e 18 de maio, nenhuma ajuda humanitária entrou na Faixa de Gaza, devido ao cerco imposto pelas autoridades israelenses. Traduzindo: não havia comida, nem combustível para operar os geradores de energia dos poucos hospitais ainda em funcionamento. Não entraram suprimentos médicos, nem anestésicos, nem analgésicos. E o número de crianças desnutridas aumenta.
Então, em 19 de maio, até mesmo em Tel Aviv alguém percebeu que os ventos estavam começando a mudar um pouco, e Netanyahu declarou que deixaria entrar ajuda.
Dez caminhões, no primeiro dia, em um lugar onde, antes do início da ofensiva militar, eram necessários 500 caminhões diariamente.
E o que acontece depois de 80 dias sem entrar uma grama de farinha, quando dez caminhões chegam a Gaza? Os caminhões são saqueados. É inevitável. Isso se chama fome.
Permitir a entrada de dez caminhões em um local onde seriam necessários centenas é mais uma afronta a uma população de joelhos — uma provocação, uma desordem deliberada, desejada, para depois poder dizer: «Estão vendo? Precisamos militarizar a ajuda humanitária.»
Soubemos de tudo durante dezenove meses. Tivemos dados atualizados sobre doenças e fome, sobre o número de mortos e feridos, vimos amputações ao vivo, e também ao vivo, o resgate dos corpos.
Sempre soubemos que os números de mortos e feridos eram estimativas conservadoras, não infladas. De 7 de outubro de 2023 até 21 de maio de 2025, pelo menos 53.600 mortos e 121.950 feridos. «São dados do Ministério da Saúde de Gaza, portanto do Hamas», dizem aqueles que não querem ver. Não querem ver, por exemplo, que sob toneladas de escombros estão escondidos mais centenas, milhares de mortos.
Assistimos à morte de duzentos jornalistas e quatrocentos trabalhadores humanitários. Continuamos a assistir à brutalidade de se negar a evacuação de emergência dos doentes. Cem mil feridos precisam de cuidados — desses, 20 mil estão em estado crítico, gravemente doentes que poderiam ser tratados, cujas vidas poderiam ser salvas a poucas dezenas de quilômetros de distância, se Israel não lhes negasse a possibilidade de deixar a Faixa de Gaza.
Há também pacientes terminais com câncer. Entre eles, inclusive, crianças.
Soubemos de tudo. Assim como sempre soubemos quais eram os objetivos do governo israelense.
Não era necessário o vídeo de Riviera Gaza nem a inteligência artificial para entender que o objetivo militar e político era reocupar Gaza em larga escala — bastava prestar atenção às declarações dos ministros que garantem a permanência de Netanyahu no poder. Como Bezalel Smotrich: «Ninguém nos permitirá causar a morte por fome de dois milhões de civis, mesmo que isso possa ser justificado e moral.» Traduzindo: para Smotrich e seus apoiadores, é aceitável deixar as pessoas morrerem de fome — pena o pequeno, incômodo obstáculo representado pela comunidade internacional e pelo direito.
Era julho de 2024, algumas dezenas de milhares de mortos atrás. Smotrich tinha razão ao dizer que muitos morreriam de fome; errou, porém, quanto ao direito. Porque os governos internacionais não fizeram nada para parar o massacre. Em 4 de maio de 2025, um dos principais defensores do extermínio de Gaza, Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional do governo israelense, pediu a expansão da guerra. No mesmo dia, Smotrich reafirmou: «Gaza será completamente destruída.» Esses dois ministros, com intenções genocidas, não foram sancionados pelo Ocidente. Mas a eles é permitido acusar de antissemitismo o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, quando este afirma que «a política de cerco e fome em Gaza ridiculariza o direito internacional.»
Sempre soubemos de tudo.
A Corte Internacional de Justiça destacou, em três ocasiões ao longo de 2024, o risco plausível de genocídio em Gaza. E, de acordo com a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948 — adotada após o Holocausto — todos os Estados signatários têm a obrigação legal de prevenir o genocídio. Prevenir o genocídio.
E, no entanto, os deveres de prevenção continuam sendo ignorados. Nove dos dez filhos de uma pediatra foram mortos. Esse foi um título — apenas o mais recente. Superado pelo do dia seguinte: 40 mortos em uma escola. Que será superado pelo do dia seguinte.
Hoje é o tempo da lucidez para todos nós. Não o tempo da esperança.
A esperança deve ficar para um futuro ainda distante. Hoje, o presente é sombrio — mais do que jamais tememos ser possível. O presente exige de nós lucidez, não ilusão. E antes que seja tarde demais — antes do deslocamento definitivo de dois milhões de pessoas, antes que as 20 mil crianças mortas virarem 30 mil — precisamos reunir toda a firmeza racional que nos resta para dizer: sabíamos de tudo, sempre soubemos de tudo, e precisamos parar este massacre.
Francesca Mannocchi é jornalista na Itália
